O presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, fez um discurso nesta quarta-feira (16) na COP 27, a conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) que discute as mudanças climáticas.
Veja a íntegra da fala
de Lula:
Em primeiro lugar,
quero agradecer a oportunidade de estar aqui no Egito, berço da civilização,
que desempenhou um papel extraordinário na história da humanidade.
Quero também agradecer
o convite para participar da vigésima sétima Conferência das Nações Unidas
sobre as Mudanças Climáticas. Sinto-me especialmente honrado, porque sei que
este convite não foi dirigido a mim, mas ao meu país.
Este convite, feito a um presidente recém-eleito antes mesmo de sua posse, é o reconhecimento de que o mundo tem pressa de ver o Brasil participando novamente das discussões sobre o futuro do planeta e de todos os seres que nele habitam.
O planeta que a todo momento nos alerta
de que precisamos uns dos outros para sobreviver. Que sozinhos estamos
vulneráveis à tragédia climática.
No entanto, ignoramos
esses alertas. Gastamos trilhões de dólares em guerras que só trazem destruição
e mortes, enquanto 900 milhões de pessoas em todo o mundo não têm o que comer.
Vivemos um momento de
crises múltiplas – crescentes tensões geopolíticas, a volta do risco da guerra
nuclear, crise de abastecimento de alimentos e energia, erosão da
biodiversidade, aumento intolerável das desigualdades.
São tempos difíceis.
Mas foi nos tempos difíceis e de crise que a humanidade sempre encontrou forças
para enfrentar e superar desafios.
Precisamos de mais
confiança e determinação. Precisamos de mais liderança para reverter a escalada
do aquecimento.
Os acordos já
finalizados têm que sair do papel.
Para isso, é preciso
tornar disponíveis recursos para que os países em desenvolvimento, em especial
os mais pobres, possam enfrentar as consequências de um problema criado em
grande medida pelos países mais ricos, mas que atinge de maneira
desproporcional os mais vulneráveis.
Senhores e senhoras
Estou hoje aqui para
dizer que o Brasil está pronto para se juntar novamente aos esforços para a
construção de um planeta mais saudável. De um mundo mais justo, capaz de
acolher com dignidade a totalidade de seus habitantes – e não apenas uma
minoria privilegiada.
O Brasil acaba de passar por uma das
eleições mais decisivas da sua história. Uma eleição observada com atenção
inédita pelos demais países.
Primeiro, porque ela
poderia ajudar a conter o avanço da extrema-direita autoritária e
antidemocrática e do negacionismo climático no mundo.
E também porque do
resultado da eleição no Brasil dependia não apenas a paz e o bem estar do povo
brasileiro, mas também a sobrevivência da Amazônia e, portanto, do nosso
planeta.
Ao final de uma
disputa acirrada, o povo brasileiro fez a sua escolha, e a democracia venceu.
Com isso, voltam a vigorar os valores civilizatórios, o respeito aos direitos
humanos e o compromisso de enfrentar com determinação a mudança climática.
O Brasil já mostrou ao
mundo o caminho para derrotar o desmatamento e o aquecimento global. Entre 2004
e 2012, reduzimos a taxa de devastação da Amazônia em 83%, enquanto o PIB
agropecuário cresceu 75%.
Infelizmente, desde
2019, o Brasil enfrenta um governo desastroso em todos os sentidos – no combate
ao desemprego e às desigualdades, na luta contra a pobreza e a fome, no descaso
com uma pandemia que matou 700 mil brasileiros, no desrespeito aos direitos
humanos, na sua política externa que isolou o país do resto do mundo, e também
na devastação do meio ambiente.
Não por acaso, a frase que mais tenho
ouvido dos líderes de diferentes países é a seguinte:
“O mundo sente saudade
do Brasil.”
Quero dizer que o
Brasil está de volta.
Está de volta para
reatar os laços com o mundo e ajudar novamente a combater a fome no mundo.
Para cooperar outra
vez com os países mais pobres, sobretudo da África, com investimentos e
transferência de tecnologia.
Para estreitar
novamente relações com nossos irmãos latino-americanos e caribenhos, e
construir junto com eles um futuro melhor para nossos povos.
Para lutar por um
comércio justo entre as nações, e pela paz entre os povos.
Voltamos para ajudar a
construir uma ordem mundial pacífica, assentada no diálogo, no multilateralismo
e na multipolaridade.
Voltamos para propor
uma nova governança global. O mundo de hoje não é o mesmo de 1945. É preciso
incluir mais países no Conselho de Segurança da ONU e acabar com o privilégio
do veto, hoje restrito a alguns poucos, para a efetiva promoção do equilíbrio e
da paz.
No pronunciamento que
fiz ao fim da eleição no Brasil, em 30 de outubro, ressaltei a importância de
unir o país, que foi dividido ao meio pela propagação em massa de fake news e
discursos de ódio.
Naquela ocasião, eu disse que não existem
dois Brasis. Quero dizer agora que não existem dois planetas Terra. Somos uma
única espécie, chamada Humanidade, e não haverá futuro enquanto continuarmos
cavando um poço sem fundo de desigualdades entre ricos e pobres.
Precisamos de mais
empatia uns com os outros. Precisamos construir confiança entre nossos povos.
Precisamos nos superar e ir além dos nossos interesses nacionais imediatos,
para que sejamos capazes de tecer coletivamente uma nova ordem internacional,
que reflita as necessidades do presente e nossas aspirações de futuro.
Estou aqui hoje para
reafirmar o inabalável compromisso do Brasil com a construção de um mundo mais
justo e solidário.
Senhoras e senhores
A Organização Mundial
da Saúde alerta que a crise climática compromete vidas e gera impactos
negativos na economia dos países.
Segundo projeções da
Organização, entre 2030 e 2050 o aquecimento global poderá causar
aproximadamente 250 mil mortes adicionais ao ano – por desnutrição, malária,
diarreia e estresse provocado pelo calor excessivo.
O impacto econômico de
todo esse processo, apenas no que se refere aos custos de danos diretos à
saúde, é estimado pela OMS entre 2 a 4 bilhões de dólares por ano até 2030.
Ninguém está a salvo.
Os Estados Unidos convivem com tornados e
tempestades tropicais cada vez mais frequentes e com potencial destrutivo sem
precedentes.
Países insulares estão
simplesmente ameaçados de desaparecer.
No Brasil, que é uma
potência florestal e hídrica, vivemos em 2021 a maior seca em 90 anos, e fomos
assolados por enchentes de grandes proporções que impactaram milhões de
pessoas.
A Europa enfrenta uma
série de fenômenos meteorológicos e climáticos extremos em várias partes do
continente – de incêndios devastadores a inundações que causam um número
inédito de mortes.
Apesar de ser o
continente com a menor taxa de emissão de gases do efeito estufa do planeta, a
África também vem sofrendo eventos climáticos extremos.
Enchentes e secas no
Chade, Nigéria, Madagascar e parte da Somália.
Elevação do nível dos
mares, que num futuro próximo será catastrófica para as dezenas de milhões de
egípcios que vivem no Delta do rio Nilo.
Repito: ninguém está a
salvo. A emergência climática afeta a todos, embora seus efeitos recaiam com
maior intensidade sobre os mais vulneráveis.
A desigualdade entre
ricos e pobres manifesta-se até mesmo nos esforços para a redução das mudanças
climáticas.
O 1 por cento mais
rico da população do planeta vai ultrapassar em 30 vezes o limite das emissões
de gás carbônico necessário para evitar que o aumento da temperatura global
ultrapasse a meta de 1,5 grau centígrado até 2030.
Este 1 por cento mais rico está a caminho
de emitir 70 toneladas de gás carbônico per capita por ano. Enquanto isso, os
50 por cento mais pobres do mundo emitirão, em média, apenas uma tonelada per
capita, segundo estudo produzido pela ONG Oxfam e apresentado na COP 26.
Por isso, a luta
contra o aquecimento global é indissociável da luta contra a pobreza e por um
mundo menos desigual e mais justo.
Senhores e senhoras
Não há segurança
climática para o mundo sem uma Amazônia protegida. Não mediremos esforços para
zerar o desmatamento e a degradação de nossos biomas até 2030, da mesma forma
que mais de 130 países se comprometeram ao assinar a Declaração de Líderes de
Glasgow sobre Florestas.
Por esse motivo, quero
aproveitar esta Conferência para anunciar que o combate à mudança climática
terá o mais alto perfil na estrutura do meu governo.
Vamos priorizar a luta
contra o desmatamento em todos os nossos biomas. Nos três primeiros anos do
atual governo, o desmatamento na Amazônia teve aumento de 73 por cento.
Somente em 2021, foram
desmatados 13 mil quilômetros quadrados.
Essa devastação ficará
no passado.
Os crimes ambientais,
que cresceram de forma assustadora durante o governo que está chegando ao fim,
serão agora combatidos sem trégua.
Vamos fortalecer os órgão de fiscalização
e os sistemas de monitoramento, que foram desmantelados nos últimos quatro
anos.
Vamos punir com todo o
rigor os responsáveis por qualquer atividade ilegal, seja garimpo, mineração,
extração de madeira ou ocupação agropecuária indevida.
Esses crimes afetam
sobretudo os povos indígenas.
Por isso, vamos criar
o Ministério dos Povos Originários, para que os próprios indígenas apresentem
ao governo propostas de políticas que garantam a eles sobrevivência digna,
segurança, paz e sustentabilidade.
Os povos originários e
aqueles que residem na região Amazônica devem ser os protagonistas da sua
preservação. Os 28 milhões de brasileiros que moram na Amazônia têm que ser os
primeiros parceiros, agentes e beneficiários de um modelo de desenvolvimento
local sustentável, não de um modelo que ao destruir a floresta gera pouca e
efêmera riqueza para poucos, e prejuízo ambiental para muitos.
Vamos provar mais uma
vez que é possível gerar riqueza sem provocar mais mudança climática. Faremos
isso explorando com responsabilidade a extraordinária biodiversidade da
Amazônia, para a produção de medicamentos e cosméticos, entre outros.
Vamos provar que é
possível promover crescimento econômico e inclusão social tendo a natureza como
aliada estratégica, e não mais como inimiga a ser abatida a golpes de tratores
e motosserras.
Tenho o prazer de informar que logo após
nossa vitória na eleição de 30 de outubro, Alemanha e Noruega anunciaram a
intenção de reativar o Fundo Amazônia, para financiar medidas de proteção ambiental
na maior floresta tropical do mundo.
O Fundo dispõe hoje de
mais de 500 milhões de dólares, que estão congelados desde 2019, devido à falta
de compromisso do governo atual com a proteção da Amazônia.
Estamos abertos à
cooperação internacional para preservar nossos biomas, seja em forma de
investimento ou pesquisa científica.
Mas sempre sob a
liderança do Brasil, sem jamais renunciarmos à nossa soberania.
Conjugar
desenvolvimento e meio ambiente também é investir nas oportunidades criadas
pela transição energética, com investimentos em energia eólica, solar,
hidrogênio verde e bicombustíveis. São áreas nas quais o Brasil tem um
potencial imenso, em particular no Nordeste brasileiro, que apenas começou a
ser explorado.
Cuidar das questões
ambientais também é melhorar a qualidade de vida e as oportunidades nos centros
urbanos. Fornecer alternativas de meios de transporte com menor impacto
ambiental.
Gerar empregos em
indústrias menos poluentes na cadeia industrial da reciclagem, que melhora o
aproveitamento das matérias primas, e no saneamento básico, que protege a nossa
saúde e nossos rios cuidando da água, elemento indispensável para a vida.
A produção agrícola sem equilíbrio
ambiental deve ser considerada uma ação do passado. A meta que vamos perseguir
é a da produção com equilíbrio, sequestrando carbono, protegendo a nossa imensa
biodiversidade, buscando a regeneração do solo em todos os nossos biomas, e o
aumento de renda para os agricultores e pecuaristas.
Estou certo de que o
agronegócio brasileiro será um aliado estratégico do nosso governo na busca por
uma agricultura regenerativa e sustentável, com investimento em ciência,
tecnologia e educação no campo, valorizando os conhecimentos dos povos
originários e comunidades locais. No Brasil há vários exemplos exitosos de
agroflorestas.
Temos 30 milhões de
hectares de terras degradadas. Temos conhecimento tecnológico para torná-las
agricultáveis. Não precisamos desmatar sequer um metro de floresta para
continuarmos a ser um dos maiores produtores de alimentos do mundo.
Este é um desafio que
se impõe a nós brasileiros e aos demais países produtores de alimentos. Por
isso estamos propondo uma Aliança Mundial pela Segurança Alimentar, pelo fim da
fome e pela redução das desigualdades, com total responsabilidade climática.
Quero aproveitar a
ocasião para garantir que o acordo de cooperação entre Brasil, Indonésia e
Congo será fortalecido pelo meu governo.
Juntos, nossos três
países detêm 52 por cento das florestas tropicais primárias remanescentes no
planeta.
Juntos, trabalharemos contra a destruição
de nossas florestas, buscando mecanismos de financiamento sustentável, para
deter o avanço do aquecimento global.
Quero também propor
duas importantes iniciativas, a serem apresentadas formalmente pelo meu
governo, que se iniciará no dia primeiro de janeiro de 2023.
A primeira iniciativa
é a realização da Cúpula dos Países Membros do Tratado de Cooperação Amazônica.
Para que Brasil,
Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela possam, pela
primeira vez, discutir de forma soberana a promoção do desenvolvimento
integrado da região, com inclusão social e responsabilidade climática.
A segunda iniciativa é
oferecer o Brasil para sediar a COP 30, em 2025. Seremos cada vez mais
afirmativos diante do desafio de enfrentar a mudança do clima, alinhados com os
compromissos acordados em Paris e orientados pela busca da descarbonização da
economia global.
Enfatizo ainda que em
2024 o Brasil vai presidir o G20. Estejam certos de que a agenda climática será
uma das nossas prioridades.
Senhoras e senhores
Em 2009, os países
presentes à COP 15 em Copenhague comprometeram-se em mobilizar 100 bilhões de
dólares por ano, a partir de 2020, para ajudar os países menos desenvolvidos a
enfrentarem a mudança climática.
Este compromisso não
foi e não está sendo cumprido.
Isso nos leva a reforçar, ainda mais, a
necessidade de avançarmos em outro tema desta COP 27: precisamos com urgência
de mecanismos financeiros para remediar perdas e danos causados em função da
mudança do clima.
Não podemos mais adiar
esse debate. Precisamos lidar com a realidade de países que têm a própria
integridade física de seus territórios ameaçada, e as condições de
sobrevivência de seus habitantes seriamente comprometidas.
É tempo de agir. Não
temos tempo a perder. Não podemos mais conviver com essa corrida rumo ao
abismo.
Se pudermos resumir em
uma única palavra a contribuição do Brasil neste momento, que essa palavra seja
aquela que sustentou o povo brasileiro nos tempos mais difíceis: Esperança.
A esperança combinada
com uma ação imediata e decisiva, pelo futuro do planeta e da humanidade.
Muito obrigado a
todos“
G1 / Foto: Ricardo Stuckert