O processo de demissões no Grupo Globo continua a todo vapor.
Desta vez, foram desligados os repórteres Renato Machado,
exclusivo do Globo Repórter, e Francisco José, o principal nome do Núcleo
Globo, como são chamados os repórteres que fazem rede no Nordeste.
As
demissões se somam às de José Hamilton Ribeiro, Eduardo Faustini e
Isabela Assumpção.
Em comum, o fato de esses profissionais terem mais de 40 anos de
casa.
Francisco era um dos poucos repórteres da TV Globo que não
escondiam seu sotaque.
As
demissões são resultado de um processo de contenção de gastos que deve se
intensificar nos próximos dias.
Nomes com mais tempo de casa e salário alto entraram na mira da
emissora.
O clima no departamento é o pior possível.
Sobre o desligamento de Francisco José, Ali Kamel, diretor de
jornalismo da Globo, se manifestou em um longo comunicado, já tradicional
nessas ocasiões de corte:
Mas nada representa mais Chico José do que sua identificação com o Nordeste. É um apaixonado. Durante dez anos, fez coberturas da seca e da miséria que assolavam o sertão nordestino. Em 2008, percorreu seis capitais para mostrar, ao vivo, o São João no Jornal Nacional. Por 15 anos, ao lado de Beatriz Castro, apresentou e fez reportagens no programa local de meio ambiente Nordeste Viver e Preservar.
Recebeu vários prêmios, inúmeras homenagens e títulos – entre eles o de Cidadão Pernambucano. Convidado para ser correspondente internacional, nunca quis. Costuma dizer que não troca o Nordeste por nenhum outro lugar do mundo. Mas tem no currículo reportagens feitas em todos os continentes. Tem um jeito único de fazer reportagem: envolvente, cativante, leva o espectador para onde ele está. Com palavras precisas, com cenas que marcam.
Eu o conheci pessoalmente ao chegar à Globo, numa visita que fiz ao Recife. Depois dos afazeres na redação, aceitei o convite dele para almoçar. Andando pelas ruas, pude comprovar quanto é querido, tratado como família pelos pernambucanos, carinho puro, que ele retribui. Uma conversa com ele nunca é curta e é sempre prazerosa. Num de nossos encontros mais recentes, tínhamos uma agenda breve, mas quando nos despedimos já havia se passado uma hora. Conversamos sobre a profissão, o fazer jornalístico, a vida. Chico é um baú de boas histórias e um observador agudo. Jo Mazarollo me disse dele: 'Adora contar histórias. As histórias das reportagens e as histórias que surgem enquanto está fazendo as reportagens'. É verdade.
Há três anos, começamos a conversar mais detidamente sobre este movimento que se conclui hoje. Primeiramente, deixou o dia a dia para se dedicar aos projetos que tinha no Globo Repórter. Para a nossa alegria e satisfação do público, fez o que planejou. Em outubro, partiu para o Atol das Rocas, período mais propício para realizar a reportagem há muito sonhada. O resultado, como sempre, superou todas as melhores expectativas. Ao dar o ponto-final no texto, ao pronunciar as últimas palavras do programa, encerrou com chave de ouro esses 46 anos de Globo. O resultado vai ao ar em 25 de março do ano que vem. Como planejado.
Ali Kamel também soltou um longo comunicado sobre o desligamento
de Renato Machado:
“A primeira vez que conheci Renato
Machado pessoalmente foi em Brasília, na cobertura do impeachment de Collor, eu
pelo Globo e ele pela TV. Estávamos na casa de Eliane Cantanhêde com outros
tantos jornalistas – e Renato encantando a todos com suas histórias
bem-humoradas. Quando cheguei à Globo, em 2001, ele já era apresentador e
editor-chefe do Bom Dia Brasil, programa cujo novo formato ele ajudou a criar,
em 1996, com mais conversa, mais análise. Sucesso imediato, passou a pautar as
redações sobre o que vinha pela frente. Tivemos, nesse período, um contato
estreito – especialmente durante as coberturas eleitorais, quando preparávamos
as entrevistas que seriam feitas com os candidatos. Atento, atencioso,
certeiro.
Renato tem uma experiência invejável
no jornalismo: BBC de Londres por dois anos, Jornal do Brasil por 14, e, na
Globo, desde 1982 (com apenas um ano de afastamento, quando trabalhou para a TV
Manchete). Aqui, foi repórter especial, correspondente em Londres por dois
longos períodos e editor-chefe e apresentador do Bom Dia Brasil por 15 anos.
Cobriu de tudo: guerras, atentados terroristas, revoluções, tragédias,
escândalos políticos, acontecimentos culturais, entrevistas com grandes
personalidades internacionais. Poucos alcançaram tamanho êxito. Entre as
coberturas marcantes das quais participou, eu destaco aquela do acidente
nuclear de Chernobyl, em 1986. O stand up que fez, à beira de uma lagoa em
Upsala, mostrou a qualidade do seu texto e a capacidade de explicar fenômenos
complexos. Eu cito de memória e peço desculpas pela inexatidão. Mas era algo
assim: 'A radioatividade fica presa nas águas paradas do lago, contaminando
tudo, inclusive este chão onde piso. E é exatamente por isso que devo sair
daqui logo'. Virou-se de costas e partiu. Algumas palavras, um gesto, e o
público entendeu a dimensão da tragédia.
Renato está há cinco anos no Globo
Repórter. E não me surpreende que logo o primeiro programa dele tenha sido
indicado ao Emmy, na categoria Atualidade. Emprestou certamente ao programa sua
experiência com o jornalismo internacional, que começou já na sua estreia na
BBC, em 1967. Mas também o traquejo no manejo de temas nacionais, culturais e
de comportamento. A câmera gosta dele e o público mais ainda.
A maneira cordata que deixa
transparecer no vídeo é a mesma com que trata colegas e amigos. Um profissional
ímpar, um colega gentil e um amigo querido.
Também ele, como Zé Hamilton Ribeiro
e Chico José, de quem já falei, combinou comigo a sua saída. Foi tão logo
voltou de Londres. Um planejamento de longo prazo e por etapas. Segundo nosso
acerto, sairia em 2020, mas adiamos para o fim deste ano por conta da pandemia.
Renato deixa um legado de bom
jornalismo. É um exemplo do profissional de excelência. Em meu nome, em nome da
Globo e de seus colegas, muito obrigado.” Informações, R7 /