Congressistas democratas e ativistas progressistas têm aumentado a pressão para que o governo de Joe Biden mantenha distanciamento do presidente Jair Bolsonaro, apontando violações de direitos humanos, atos antidemocráticos e destruição ambiental no Brasil.
Só em 2021, houve pelo menos seis cartas e comunicados de
deputados e senadores ao presidente americano, ao secretário de Estado, Antony
Blinken, e ao assessor de Segurança Nacional, Jake Sullivan, pedindo
endurecimento da política externa dos EUA em relação ao governo Bolsonaro.
Na semana que vem, Blinken fará sua primeira viagem à América do
Sul. Ele passará por Colômbia e Equador, mas não pelo Brasil.
Fontes do governo americano afirmam que a definição do roteiro
não tem a ver com possíveis divergências com Bolsonaro ou pressões do Congresso.
Segundo uma autoridade, Blinken visitará esses dois países porque os EUA ainda
não mantiveram encontros de alto nível com os governos de Iván Duque e
Guillermo Lasso durante o mandato de Biden; o Brasil, em contrapartida, recebeu
visita de Sullivan em agosto.
Além disso, o tema central da viagem será a imigração, e o
Brasil não figuraria como central para a questão apesar de a quantidade de cidadãos brasileiros tentando entrar ilegalmente nos EUA ter explodido
nos últimos meses.
As alegações não mudam o fato de Washington manter divergências
em relação a questões como a política ambiental de Bolsonaro e as ameaças que o
presidente faz ao sistema eleitoral. Esses temas, ressalta o funcionário do
governo americano, têm implicações.
Os principais grupos por trás do ativismo pró-democracia e
preservação da Amazônia são Amazon Watch, Rede dos Estados Unidos pela
Democracia no Brasil, AFL-CIO (maior federação de sindicatos dos EUA, que tem
ligações históricas com a CUT), Center for Economic and Policy Research,
Greenpeace, Human Rights Watch e Washington Brazil Office.
Só a Rede pela Democracia tem 1.500 afiliados, americanos e
brasileiros vivendo nos EUA, incluindo 350 brasilianistas de 45 universidades. Em 1964, quase nenhum legislador
americano se opôs ao golpe militar
no Brasil; hoje, existe enorme preocupação no Congresso com a deterioração da
democracia brasileira, diz James Green,
professor titular de História do Brasil da
Universidade Brown e um dos coordenadores da Rede.
Para o governo dos
EUA, o ideal seria um candidato de terceira via no Brasil [nas eleições de
2022], mas o Executivo sabe que [o ex-presidente] Lula [PT] não é socialista
nem comunista e se deu muito bem com o [republicano] George W. Bush quando os
dois estavam na Presidência. O petista
lidera as intenções de voto para o pleito do ano que vem.
Green, que é próximo da ex-presidente Dilma Rousseff, diz que os
ativistas de oposição ao governo Bolsonaro nos EUA têm boa interlocução com as
alas progressistas no Congresso, mas menos influência no Executivo. Ainda
assim, ele avalia que o governo Biden tem tentado se distanciar do brasileiro.
Desde a posse do democrata, em janeiro, os dois líderes ainda
não se encontraram. Bolsonaro era próximo de Donald Trump e torceu publicamente
pela derrota de Biden nas eleições americanas de 2020. Os dois tampouco se
reuniram às margens da Assembleia-Geral da ONU, em setembro.
Na semana do encontro, porém, Blinken esteve com o chanceler
Carlos França e pediu ao Brasil que aceitasse receber refugiados do Afeganistão
e do Haiti. Em agosto, o assessor Jake Sullivan se encontrou com o presidente
em Brasília, e em julho, William J. Burns, diretor da CIA, a agência de
inteligência dos EUA, também fez uma visita oficial.
Entre os democratas,
Bolsonaro é considerado
politicamente radioativo por causa de suas políticas em relação à Covid, ações antidemocráticas
e a destruição da Amazônia,
diz Andrew Miller, diretor de advocacy da Amazon Watch em Washington. Com a entrada de uma leva de
legisladores mais progressistas e dado o estreito relacionamento entre Trump e
os Bolsonaros, ganhou força a oposição a qualquer tipo de acordo comercial
entre EUA e Brasil, mesmo entre democratas pró-livre comércio.
Segundo Miller, entra nesse contexto de mensagens a Biden o fato
de o apoio da bancada progressista ser importante para que o presidente consiga
aprovar uma série de medidas o
governo, aliás, tenta destravar a
tramitação de alguns projetos
no Legislativo.
Ele acredita que a pressão da sociedade civil e do Congresso
ajudou na saída do ex-embaixador em Brasília Todd Chapman, próximo a Bolsonaro,
e impediu o governo americano de fechar algum tipo de acordo com o Brasil
durante a Cúpula do Clima, em abril.
Agora, as entidades estão concentradas em tentar emplacar na
representação diplomática dos EUA em Brasília alguém que tenha histórico em defesa dos direitos humanos,
democracia e meio ambiente e
pressionar por ações mais enérgicas do governo Biden para a Amazônia.
Nos últimos anos temos trabalhado
predominantemente com a bancada progressista, que inclui muitos membros da
Bancada de Afrodescendentes [Congressional Black Caucus] e LGBTQIA+. Muitos
desses parlamentares já se mostravam preocupados com a situação política no
Brasil desde 2016, diz Juliana
Moraes, diretora-executiva do Washington Brazil Office.
Com o período eleitoral, em 2018, a preocupação começou a aumentar entre outros congressistas, vários deles mais à direita e considerados moderados no
Partido Democrata.
A última carta de rechaço a Bolsonaro, enviada na quinta-feira
(14), teve assinatura de 64 deputados e pediu a Biden um recuo nas relações
entre EUA e Brasil até que um
novo líder, mais alinhado a
valores democráticos e direitos
humanos, seja eleito.
Na carta, o democrata Hank Johnson e outros deputados apontaram
para tentativas do brasileiro de deslegitimar as eleições presidenciais de 2022
e para o apoio dele à contestação da vitória de Biden em 2020. Bolsonaro apoiou as declarações falsas de [Donald] Trump sobre
fraude na eleição e foi um dos últimos líderes globais a reconhecer sua vitória
eleitoral, o que põe em dúvida a disposição dele de aceitar os resultados da
eleição brasileira em 2022,
escreveram.
Os legisladores solicitaram ainda que Biden anule a designação
de aliado preferencial extra-Otan, concedida ao Brasil durante o governo Trump;
que retire a oferta de apoio para o Brasil se tornar sócio global da aliança
militar ocidental; e reveja programas de cooperação entre os dois países.
O apoio para o Brasil se tornar sócio da Otan foi oferecido
durante a visita ao Brasil do assessor de Segurança Nacional, Jake Sullivan, e
gerou críticas no Congresso americano.
O presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado
americano, o democrata Bob Menendez, e outros três parlamentares enviaram uma
carta no fim de setembro instando o governo Biden a deixar claro para Bolsonaro
que qualquer ruptura democrática no Brasil "terá sérias consequências.
Na ocasião, o embaixador do Brasil em Washington, Nestor Forster, disse que o senador estava mal informado. "O dinamismo e a vitalidade das instituições democráticas brasileiras contrastam vivamente com os regimes autoritários do hemisfério, fonte de preocupação para nossos dois governos." Folhapress / Official White House Photo by Adam Schultz