As recentes vitórias do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Justiça levaram o PT a usar politicamente as decisões e a divulgar que o petista foi “inocentado” em ações que não tiveram o mérito julgado. Segundo juristas ouvidos pelo Estadão, embora Lula possa ter se livrado da maioria dos processos, as decisões não atestam, necessariamente, que ele foi absolvido.
Nos últimos anos,
após derrotas jurídicas que lhe custaram 580 dias de prisão, Lula respondeu a
20 ações. Em apenas três situações houve, de fato, a absolvição. Outros 16
casos foram interrompidos por questões processuais ou reviravoltas que levaram
ao arquivamento das ações. O ex-presidente ainda responde a uma ação criminal
que apura tráfico de influência na compra de caças suecos, alvo da Operação
Zelotes. Neste último, não houve julgamento.
Em um caso recente
que marcou as últimas derrotas da Operação Lava Jato, o ministro Ricardo
Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), ordenou a suspensão de duas
investigações contra Lula. O magistrado afirmou que os processos usavam como
prova delações premiadas que já haviam sido invalidadas.
Com base neste e em
outros casos semelhantes, o PT lançou uma peça publicitária intitulada
“Memorial da Verdade”, na qual cita 19 ações em que Lula teria sido inocentado.
O texto lista processos em que o ex-presidente foi “inocentado” e três em que
foi “absolvido”. A diferença entre os termos utilizados, segundo o professor de
Direito Penal da FGV-Direito Rio Felipe Lima Almeida, se deve ao fato de as
decisões da Justiça não tratarem, objetivamente, de inocentar réus e acusados.
“A expressão
‘inocente’ não é técnico-jurídica. Inocentes todos nós somos até que se tenha
uma sentença condenatória transitada em julgado, e realmente isso não existe em
relação ao ex-presidente Lula”, afirmou o professor. “Agora, trancamento de
ação penal, arquivamento de inquérito ou rejeição de denúncia, nessas situações
nós não temos o enfrentamento do mérito, então não há sentença do Estado
dizendo que não houve crime.”
Ou seja,
diferentemente da inocência, a absolvição é um elemento jurídico registrado no
Código de Processo Penal. Esse tipo de decisão reconhece que as acusações
apresentadas contra uma das partes em determinado processo são improcedentes. A
partir daí, o caso é encerrado e o réu deixa a posição de suspeito.
‘Discursos’. “Não
podemos confundir um discurso político com um discurso jurídico. Aqui há um tom
retórico, de persuasão. Há uma disputa política e de narrativa. Parece uma
estratégia política, mas, do ponto de vista jurídico, todos são considerados
inocentes até uma sentença penal condenatória”, afirmou a professora de Direito
Penal da FGV-Direito de São Paulo Raquel Scalcon.
Os 19 casos em que
a defesa do ex-presidente alega inocência nas redes sociais são dois
trancamentos de investigações, quatro denúncias rejeitadas, quatro decisões
anuladas – a partir do reconhecimento de suspeição do ex-juiz Sérgio Moro –,
dois arquivamentos, uma prescrição (impossibilidade de punir por causa da
idade) e um reconhecimento de legalidade nas palestras realizadas por Lula. A
maioria foi por ausência de provas.
Quando uma denúncia
é rejeitada, o juiz responsável pelo caso indica que a acusação não conseguiu
reunir elementos mínimos para oferecer uma denúncia contra o réu e encerra o
caso ainda na fase preliminar, antes mesmo que haja julgamento do mérito. Algo
semelhante ocorre quando há trancamento de investigação – geralmente a pedido
dos próprios investigadores do caso –, pois fica reconhecido que as provas
reunidas não indicam crime, de modo que não é necessário prosseguir com as
apurações.
A divulgação das
vitórias processuais de Lula coincide com o momento em que o petista aparece na
frente em pesquisas de intenção de voto para as eleições de 2022. Na
sexta-feira passada, a primeira pesquisa Datafolha depois das manifestações
antidemocráticas de 7 de Setembro mostraram o ex-presidente com ampla vantagem
em relação ao presidente Jair Bolsonaro em caso de disputa no segundo turno do
ano que vem. Se a disputa fosse realizada hoje, o ex-presidente venceria o
atual por 56% a 31%.
Lava Jato. Em
relação ao que veicula o PT, as alegações mais questionáveis quanto à inocência
do ex-presidente envolvem os casos triplex do Guarujá, do sítio de Atibaia e
sobre a compra de um terreno para o Instituto Lula, porque todas foram anuladas
com base em decisões do Supremo que reconheceram a incompetência da 13.ª Vara
Federal de Curitiba para julgá-lo e a parcialidade do ex-juiz Sérgio Moro ao
proferir as sentenças contra Lula.
Nessas situações, a
validade das decisões foram desfeitas, mas dois dos casos ainda podem ser
retomados, já que o Supremo apontou erros processuais, e não ausência de
provas, como sugere a publicidade petista. À exceção do caso do sítio de
Atibaia, cuja denúncia foi reapresentada e rejeitada pela Justiça do Distrito
Federal, nos outros dois casos é possível que as ações sejam reiniciadas.
“Todos começam o
‘jogo’ do processo penal sendo inocentes. Se esse processo não termina de uma
forma específica, com o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, a
pessoa continua, tecnicamente, sendo inocente”, disse o advogado criminalista
Fernando Castelo Branco, professor de Processo Penal da Faculdade de Direito da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Manter o status de “inocente”, no entanto, não é a mesma coisa que “ser inocentado” pela Justiça, como sustenta a defesa do ex-presidente, afirmou o professor. “É possível que estejam (a defesa de Lula) carregando nas tintas para estender esse caráter de análise de mérito (a situações em que ela não aconteceu)”, disse Castelo Branco. “Talvez a maioria dos casos não tenha tido essa análise de mérito. Mas o fato é que ele (Lula) não perdeu a condição de inocente, muito embora não tenha tido um julgamento de mérito (em muitos dos casos)”, observou o professor. Weslley Galzo/Estadão Conteúdo / Fotos: Felipe L. Gonçalves/Brasil247