Duas explosões atingiram os arredores do Aeroporto Internacional Hamid Karzai, em Cabul, onde afegãos e ocidentais se concentram para tentar uma vaga na evacuação liderada pelos EUA do país sob o Talibã.
Porta-vozes
do grupo radical disseram que o aparente ataque suicida deixou entre 13 e 20
mortos, incluindo crianças, mas autoridades dos Estados Unidos afirmam que o
número pode ser ainda maior. Segundo a agência de notícias Reuters, quatro
militares americanos estão entre as vítimas.
Os ataques
na manhã desta quinta-feira (26, no horário de Brasília) ocorrem após a Casa
Branca e seus aliados alertarem sobre riscos iminentes de atos terroristas da
filial afegã do Estado Islâmico, adversária do Talibã, o que impactou o
processo de retirada do país.
Autoridades
americanas disseram à agência de notícias Associated Press acreditar que o
grupo terrorista seja responsável pelo que foi descrito pelo Pentágono como
"ataque complexo".
Foram duas
explosões: uma na principal entrada do aeroporto, o Abbey Gate, e outra próxima
ao hotel Baron, nas imediações do terminal aéreo, ainda de acordo com o
Pentágono. O governo americano afirmou que podem ocorrer novos ataques na
região.
Ao menos 60
pessoas feridas foram atendidas em um hospital de Cabul. Civis afegãos,
soldados talibãs e cinco militares americanos estão entre os atingidos um dos soldados dos EUA ficou gravemente ferido, segundo
autoridades do país. A embaixada do país em Cabul relatou ainda disparos com
armas de fogo.
O
secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, condenou o que chamou de
"ataque terrorista, que matou e feriu civis".
A percepção
de que o Ocidente está correndo para minimizar seu fiasco no Afeganistão,
evidenciada na decisão de alguns países de suspender seus voos de evacuação
nesta quinta, gerou uma renovada corrida de pessoas desesperadas às imediações
do aeroporto da capital.
De acordo
com o relato de diplomatas ocidentais que ainda permanecem na cidade a agências
de notícias, o fluxo que havia sido contido por bloqueios do Talibã aumentou
muito. O prazo limite para a ação com presença militar estrangeira é a próxima
terça (31). As explosões não mudaram os planos do governo Joe Biden, segundo
uma fonte ouvida pela agência Reuters.
Americanos
e ocidentais diziam haver ameaça terrorista associada ao Estado Islâmico
Khorasan, a filial afegã do famoso grupo extremista que chegou a dominar vastas
áreas na Síria e no Iraque em meados da década passada. "Não posso ser
mais enfático sobre o desespero da situação. A ameaça é real, iminente,
letal", afirmou o ministro das Forças Armadas britânico, James Heappey,
corroborando o relato feito na noite de quarta pelo secretário de Estado
americano, Antony Blinken, responsável pela diplomacia do país.
A Austrália
fez um alerta de segurança semelhante, suspendendo operações.
As
explosões acabam coroando o fiasco ocidental em sua retirada afegã. Ele começou
com a decisão do presidente Joe Biden de antecipar a saída de suas tropas de
forma acelerada. Quando o Talibã iniciou sua ofensiva final, no começo de
agosto, 95% dos militares ocidentais já haviam saído do país ocupado desde 2001
data em que o grupo fundamentalista foi derrubado por apoiar a
Al Qaeda, que cometera o 11 de Setembro.
Primeiro,
os EUA não anteciparam o colapso do governo afegão em duas semanas, com a
vitória talibã de 15 de agosto. Depois, fracassaram em organizar uma saída
ordeira do país, gerando cenas como a de pessoas caindo de aviões decolando.
Essa debacle foi acompanhada por uma mudança de tom de Biden. Primeiro, o
americano pintou um cenário racional e róseo. Depois, lavou as mãos. Ao fim,
voltou a se preocupar, enfatizando que "muita coisa podia dar
errado". Já deu.
Na tarde
desta quinta, um dos porta-vozes do Talibã publicou comunicado no Twitter em
que diz que "condena veementemente" o atentado, "ocorrido em uma
área onde as forças dos EUA são responsáveis pela segurança". O grupo
disse ainda que "presta muita atenção à segurança e proteção de seu
povo".
Segundo a
Reuters, outro membro da facção deu entrevista a uma rede de TV da Turquia
dizendo que a culpa pelos ataques é da presença de forças ocidentais no país.
A autoria
presumida do EI carrega nuances. Se por um lado ela ajuda o discurso do Talibã,
de que não permitiria a operação de evacuação passar da data limite, por outro
vai contra tudo o que o grupo tem pregado para tentar obter reconhecimento
internacional.
Que os
talibãs mintam, isso é de sua história: chegaram ao poder pela primeira vez em
1996 prometendo as mesmas estabilidade e garantias a adversários, mulheres e
minorias. Deixaram-no com a fama de açougueiros medievais.
Mas o EI
afegão é adversário do Talibã. Guardas talibãs, por sua vez afiliados à rede
terrorista aliada Haqqani, disseram a repórteres da agência Reuters que também
temiam um ataque em Cabul. Até aqui o EI nunca se mostrou como um adversário
consistente do grupo.
Ele pode,
claro, virar uma força assimétrica desestabilizadora, mas analistas de
terrorismo costumam avaliar mais a possibilidade de eles virem a se associar ao
Talibã do que combatê-lo.
Uma
alternativa crível é de que o grupo esteja usando o espantalho EI para
afugentar de vez os ocidentais, como prepostos para garantir negativas
plausíveis de radicalismo.
Seja como
for, o perigo ajuda a justificar a decisão de Biden de não encarar o Talibã e
estender o prazo da operação, como queriam Reino Unido, Alemanha e França.
Nesta
quinta, o esforço de países do norte europeu comandado por uma ponte aérea da
Bélgica já havia sido suspenso, provavelmente de forma definitiva.
Cargueiros
C-130 Hércules belgas faziam em média cinco voos de ida e volta a Islamabad, no
Paquistão. Em seis dias, tiraram 1.400 pessoas de Cabul, em nome da Bélgica, da
Holanda e da Dinamarca.
Ao todo, a
operação militar já tirou desde 14 de agosto impressionantes 95,7 mil pessoas
da cidade, segundo informou a Casa Branca nesta quinta. A cifra dá pouco mais
de 2% da população da capital.
Na quarta,
Blinken havia dito que o Talibã se comprometera a permitir que pessoas que
desejem deixar o país em voos comerciais, ocidentais ou afegãos, o façam depois
do dia 31.
Parece
duvidoso, dadas as declarações anteriores de Zabihullah Mujahid. O porta-voz
afegão havia dito para os EUA pararem de incentivar o êxodo de afegãos
qualificados, pois o novo governo precisaria deles.
Além disso,
continuam os relatos de violência de talibãs contra pessoas que tentam ir ao
aeroporto, fora as buscas casa a casa de antigos colaboradores ocidentais. Não
existe, obviamente, algum número, mas é factível que centenas de intérpretes e
auxiliares tenham ficado para trás só os EUA contavam 18 mil pessoas que
haviam trabalhado ao longo dos anos na embaixada de Cabul.
Com a
corrida final para fugir da capital, os EUA começaram a retirar inclusive os
seus 6.000 militares enviados para a operação no aeroporto. Com isso, aliados
como a França, a Holanda e o Canadá disseram que sua evacuação acaba até esta
sexta (27).
Após as explosões desta quinta, o presidente francês, Emmanuel Macron, disse que o país ainda vai retirar "mais centenas" de pessoas do país. Informações, yahoo / Mulheres feridas chegam a um hospital para tratamento após duas explosões no aeroporto de Cabul, no Afeganistão, nesta quinta (26) — Foto: Wakil Kohsar/AFP