RL News - Para começar, fala um pouco da sua trajetória, como iniciou suas atividades nessa área de atuação - consultoria contábil para administração pública.
Cristinivaldo Menezes: Quero desde já cumprimentar você e seus leitores, agradecendo a oportunidade, desejando que todos estejam com saúde. Orando a Deus que tenhamos muita sabedoria e acima de tudo que possamos continuar enfrentando esse momento de dificuldade devido essa pandemia, com todos os cuidados devidos.
Sou natural da nossa querida cidade de Inhambupe, nasci na comunidade do saguim. Alfabetizado na escola da mesma comunidade. Fiz meu ensino primário (conforme era conhecido na época) na escola Dr. Sátiro Dias e ensino fundamental e médio no Colégio Estadual Mário Costa Filho.
Para estudar, íamos andando, eu e meus irmãos, em média 5 km de distância do Saguim para o centro de Inhambupe. Saímos de casa às 5:30hs da manhã para podermos chegar no horário de início das aulas às 7:00hs. Naquela época o município não oferecia esse serviço de transporte escolar conforme tem hoje. Também trabalhávamos na roça e aos dias de sábado ajudava meu pai que vendia farinha no mercado municipal de nosso município. Tivemos muito incentivo de meu pai que repetia a todo momento que era a única riqueza que poderia deixar para os filhos, também muita motivação dos nossos professores e em especial da minha tia Maria da Conceição (Fifia) que muito nos orientou e apoiou.
Após conclusão do ensino médio, minha primeira oportunidade de trabalho formal, trabalhei alguns meses como atendente na lanchonete do Terminal Rodoviário de Inhambupe, oportunidade oferecida pelo Sr. Jorge Reis que administrava o estabelecimento na época. Em seguida, por intermédio do meu tio Lorde, irmão do meu pai que era mestre de obras, fui para Salvador trabalhar na empresa FENGEC Fundações, de propriedade de Dr. Enéas.
Já morando em Salvador, casei-me, minha amada esposa Andrea, temos duas filhas, cursei faculdade, formei em ciências contábeis e logo em seguida fui trabalhar em um escritório que atuava no ramo de consultoria em contabilidade para a administração pública de propriedade da saudosa professora da UFBA e Auditora Fiscal do Estado aposentada, Dra. Phryné Maryan. Funcionário até maio do ano 2010 quando fui convidado para me tornar sócio. Com o falecimento de Dra Phryné no ano de 2015, assumi a direção do escritório onde atuo até hoje, prestando serviços de Consultoria Contábil para prefeituras e câmaras municipais.
Já prestei serviços em diversos municípios a exemplo de: Serrinha, Camacan, Itabuna, Itaparica, Jequié, Coaraci e Inhambupe.
RL
News - Qual o
maior desafio enfrentado por vocês que atuam nessa área de consultoria de
gestão pública?
Cristinivaldo Menezes: Fazer com que os gestores entendam que a administração pública tem regras. Alguns gestores se decepcionam com a lentidão para colocar em prática alguma ação. Para realização de qualquer despesa tem que se cumprir prazos, obedecer às normas exigidas em diversas Leis, Constituição federal. Toda vez que se pretende executar determinada despesa, a equipe técnica que atua na área de licitações e contratos tem que elaborar e publicar edital de licitação, aguardar os prazos exigidos em lei, acontecer o certame, aguardar prazos de recursos, publicar resultado do vencedor, formalizar contratos e somente após todos esses trâmites que os fornecedores estarão aptos a fornecer ao município ou prestar um serviço. Dependendo da complexidade da despesa, um processo licitatório pode durar meses para se concretizar. Não é por falta de conhecimento ou demora por parte da equipe que atua no setor de compras e licitações, são os prazos mínimos exidos em lei. Isso traz angústia ao gestor público que quando deseja realizar uma ação, até mesmo as despesas rotineiras a exemplo de compra de medicamentos, material de consumo do dia a dia, se vê preso aos prazos burocráticos. Mas são as regras da lei, tem que ser obedecida.
Observamos, algumas vezes, quando algum gestor público faz uma viagem à Brasília ou tem encontro com outros prefeitos, alguns voltam deslumbrados com as experiências socializadas, experiencias essas que muitas vezes não se recomenda pôr em prática. A velha conversa que “todo mundo faz” não se aplica ao gestor responsável e que quer trabalhar de forma correta. Todo gestor que buscar trabalhar observando as orientações da sua equipe técnica tende a ter sucesso na sua gestão.
RL News - Na sua opinião, qual a “receita” para um gestor municipal realizar uma boa administração pública?
Cristinivaldo Menezes: Depende do ponto de vista. Temos que avaliar o que você chama de “boa administração”, há uma série de análises, que se fôssemos tratar de detalhes daria para escrever um livro (risos).
Observe: Administrar uma prefeitura é por exemplo, como administrar uma empresa ou até podemos comparar com a mesma regra que tem um casal que chega no final de mês e compara o total dos seus rendimentos com as necessidades da casa, tem que eleger prioridades quando o salário não é suficiente para pagar tudo que eles desejam comprar. Com exceção dos irresponsáveis que usa o cartão de crédito, compra e não se preocupa com a conta depois.
Uma empresa que não observa se está tendo receitas compatíveis para quitação dos seus custos, tende a falência. Um casal que faz mais despesas que a possibilidade de pagamento, seguramente vai ficar sem condições de pagar a fatura de cartão de crédito, terá problemas com despesas rotineiras e consequentemente cortes de fornecimento de água, luz, telefone e outras despesas necessárias. Automaticamente terá seu CPF negativado perante os órgãos de proteção ao crédito.
Na administração pública não é diferente.
Um gestor municipal primeiro deve obrigatoriamente conhecer qual o valor médio da sua arrecadação mensal. Sabendo diferenciar inclusive como pode ser aplicada cada recurso. Na administração pública as vezes o município tem em caixa certa quantia disponível, mas por se tratar de um recurso que tecnicamente conhecemos como recurso vinculado, não pode utilizar esse valor em despesas que não sejam compatíveis com a sua finalidade.
A arrecadação municipal é formada por receitas próprias a exemplo da arrecadação de IPTU, ISS e outros impostos e taxas, pelas transferências constitucionais efetuadas pela União a exemplo do FPM, pelo Estado a exemplo do ICMS e demais transferências, os chamados recursos de fontes vinculadas, onde somente pode ser utilizado na finalidade especifico conforme a legislação: Um bom exemplo são os recursos do FUNDEB que somente poderão ser aplicados em ações da educação, os recursos do SUS nas ações da área da saúde bem como outros repasses específicos.
Em muitos municípios atualmente, a exemplo da receita que arrecada com a transferência do FUNDEB não é suficiente para quitação da folha de pagamento dos servidores da educação. De igual forma os recursos transferidos pelo SUS para pagamento da folha salarial dos Agentes Comunitários de Saúde, não são suficientes também para pagamento da folha salarial desses profissionais. O gestor não vai pagar o salário desses profissionais ? Ai que entra a gestão financeira de uma boa administração, prevê e planejar essas questões para pagar com recursos próprios do município a complementação dessas despesas.
Para quem não convive o dia a dia e não conhece como funciona a administração pública, o primeiro argumento é que o município recebe recurso para executar despesas na área x ou y, não sabendo que muitas vezes esse recurso não é suficiente para o cumprimento daquela obrigação. O que tem que fazer o gestor? Complementar com recursos próprios da prefeitura o valor que falta para quitação da folha de pagamento dos servidores da educação, dos agentes comunitários de saúde. Outro exemplo que é bem lembrado pela população, o Ministério da Educação transfere recursos para a aquisição de merenda escolar, mas se você verificar, são centavos por cada aluno. O valor arrecadado não é suficiente nem para 30% do valor que se gasta para oferecer uma boa merenda. O que faz o gestor? Também deve complementar com recursos próprios.
E de onde vem os recursos próprios que tanto se fala? São os impostos que toda a população paga: IPTU, ISS e outros. Toda vez que adquirimos no comércio algum produto ou serviços e exigimos a nota fiscal, faz com que aconteça maior transferência de recursos pelo estado e união mediante repasse do FPM e do ICMS.
Observe então: que em primeiro lugar deverá o gestor público ter conhecimento detalhado das disponibilidades financeira do município, somente aí que ele poderá planejar como fazer investimentos e autorizar as demais despesas.
Toda despesa deve ser analisada conforme a sua finalidade. Para autorizar a execução precisa cumprir todas as regras. Se a despesa é para saúde, se é para educação, se é para assistência social. Cada uma tem uma regra além das exigências conforme a lei de licitações e demais normas.
É obrigação de todo gestor público administrar de forma equilibrada as suas despesas conforme a sua capacidade de pagamento, quando existe um descontrole, o município tende a atrasar pagamento de salário de servidores, fornecedores e tudo isso causa um grande estrago tanto para o gestor público que fica como mal pagador quanto para todo a sociedade, incluindo o comércio local.
Observe você que não há como relatar de forma rápida o que pode caracterizar uma gestão de sucesso. É importante acima de tudo governar com responsabilidade, elegendo prioridades e acima de tudo aplicar os recursos com total transparência, assim a população pode acompanhar de perto onde está sendo gastos os recursos dos impostos que ela pagou. Sabemos sim que é obrigação de todo gestor público, governar para todos, mas com a obrigação de proporcionar serviços públicos de qualidade, principalmente para aqueles que mais necessitam.
RL News - Alguns gestores públicos de vez em quando são penalizados pelo TCM - Tribunal de Contas com rejeição de contas e outras penalidades. Tem como citar algum exemplo que o TCM atualmente tem punido os prefeitos?
Cristinivaldo Menezes: De igual forma com sua pergunta anterior, não é simples assim analisar um assunto com essa complexidade. Mas veja o seguinte exemplo: O TCM muitas vezes tem opinado pela rejeição das contas de prefeito devido ao índice de despesa com pessoal ultrapassar o limite máximo de 54% da Receita Corrente Líquida conforme determina a Lei de Responsabilidade Fiscal. Por mais criterioso e rigoroso na autorização de suas despesas, muitas vezes ter buscado fazer um trabalho transparente em benefício dos que mais precisam, mesmo assim acontece de sofrer um desgaste dessa natureza.
Mas isso ocorre porque o gestor fez algo de errado? Claro que não! O que ocorre é que muitas vezes a folha de pagamento dos servidores do município supera esse percentual de 54% da receita do município. Despesa com pessoal deve ser analisada de várias formas: Observe que existem reajustes automáticos de despesas a exemplo do salário-mínimo que todo município é obrigado a seguir. Vejam que muitas vezes as despesas crescem em percentual muito superior a arrecadação, isso gera esse tipo de situação, tanto no limite de despesa de pessoal quanto as demais ações, uma vez que só pode fazer despesa até o limite da capacidade de pagamento;
Fica o gestor público toda vez que seu índice de despesa de pessoal ultrapassar com essa indagação: Tenho que exonerar os servidores ? Não posso conceder reajustes ? Não posso conceder os direitos dos servidores que são adquiridos com o passar dos tempos ? Veja você quantas perguntas difíceis de responder.
RL News - Como fazer para cumprir essa exigência da Lei de Responsabilidade Fiscal e não acontecer opinativo de perecer pelo TCM pela rejeição das contas do gestor?
Cristinivaldo Menezes: Umas das providencias é verificar se tem como melhorar a arrecadação municipal. Segundo, somente efetuar contratação de servidores temporárias das funções indispensáveis. O que chamamos de “enxugar” a máquina pública, no entanto, alguns municípios, mesmo não efetuando contratação temporária de pessoal, apenas pelo valor da folha de pagamento dos servidores efetivos já ultrapassa o limite de 54% da RCL, ou seja, o prefeito já inicia a gestão com essa situação de ter possibilidade das suas contas serem rejeitas por índice de pessoal. Digo opinativo, porque a Constituição Federal determina que os Tribunais de Contas tem o papel de efetuar análise das contas dos gestores e elaborar parecer OPINATIVO de aprovação ou rejeição das contas, uma vez que esse papel de aprovar ou não o parecer do Tribunal de Contas é função constitucional do Poder Legislativo Municipal.
RL News - Considerações Finais - Quais as observações mais relevantes para os gestores eleitos e reeleitos para essa futura gestão?
Cristinivaldo Menezes: Nesse início, ainda devido a pandemia que muito traz dúvidas quanto ao crescimento da nossa economia e isso se reflete em queda de arrecadação, ter muita cautela, sempre buscar autorizar despesas consideradas essenciais e indispensáveis, observar atender as demandas da população mais vulnerável; ter responsabilidade financeira para não autorizar despesas superior a possibilidade de pagamento; escutar sua equipe técnica; planejar a curto e longo prazo; dá transparecia as ações da administração; ter responsabilidade fiscal; combater o mau uso do dinheiro público isso é ter responsabilidade com o gasto público; dialogar com a sociedade e inovar. Não adianta ficar reclamando que não dispõe de recursos, é preciso buscar solução para a resolução dos problemas da sociedade. Todo gestor que busca administrar minimamente com essa linha de trabalho tende a ter sucesso da sua gestão.
Raio-X
Cristinivaldo Menezes - Bacharel em ciências contábeis, especialista em Direito Público Municipal e Controle Interno Municipal pela FUNDACEM, sócio da empresa PHC Consultores Associados Consultoria Contábil, empresa que presta serviços de consultoria em contabilidade pública para prefeituras e câmaras municipais.
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