A
Agência Brasileira de Inteligência (Abin) adota, em documentos endereçados ao
Palácio do Planalto e a ministérios, um discurso radicalmente oposto ao do
presidente Jair Bolsonaro sobre a pandemia do coronavírus. Um lote de 47
relatórios diários, num total de 950 páginas, alertou o governo sobre a
necessidade do isolamento social para conter a doença. Os documentos, obtidos
pelo Estadão, também indicaram a falta de leitos de UTI e a elevada
subnotificação de casos de infectados e mortes por insuficiência de testes de diagnóstico.
Com datas que vão de 27 de abril a 13 de maio, os relatórios
abasteceram o gabinete de Bolsonaro, o Ministério da Saúde e o grupo liderado
pelo chefe da Casa Civil, Walter Braga Netto, que acompanha o avanço da
pandemia. O Centro de Coordenação de Operação do Comitê de Crise para
Supervisão e Monitoramento dos Impactos da Covid-19 (CCOP), nome oficial do
órgão, foi criado em março por Bolsonaro para tirar o protagonismo do então
ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta.
Enquanto o presidente estimulava aglomerações e o retorno da
atividade econômica, sob o argumento de que quarentenas “não atingiram o seu
objetivo”, a Abin informava o gabinete dele no dia 1.º de maio que, entre 27 e
30 de abril, havia sido observado aumento de casos no interior do Amazonas pelo
“descumprimento do isolamento social”. O documento destacava, ainda, o
crescimento no número de mortes nos municípios de Coari, Manacapuru, Maués,
Parintins e Rio Preto da Eva, que não tinham leitos de UTI suficientes.
Em outro relatório, de 11 de maio, a Abin observou que aqueles
Estados que haviam adotado medidas restritivas “aparentemente tiveram maior
sucesso em reduzir a taxa de crescimento do número de casos”. “O Distrito
Federal foi uma das primeiras UFs a decretar suspensão de aulas e de atividades
não essenciais, o que provavelmente contribuiu para controle do crescimento de
número de casos locais”, analisou a agência, no começo de maio.
Na reunião ministerial de 22 de abril, no Palácio do Planalto,
Bolsonaro afirmou que não recebia informações suficientes dos órgãos oficiais e
disse preferir seu próprio serviço de inteligência. “Sistemas de informações, o
meu funciona. O meu particular funciona. Os que têm (sic) oficialmente,
desinformam”, disse o presidente, na ocasião. “Prefiro não ter informação do
que ser desinformado por sistema de informações que eu tenho.”
A Abin faz, desde março, diagnóstico da situação da pandemia no
País e um mapeamento de casos da doença no exterior. A agência afirmou, no
começo de abril, que decretar rígida quarentena foi determinante para achatar a
curva de casos na Espanha, Itália, França, Alemanha e Reino Unido.
Para a equipe de inteligência, apesar de ser difícil definir o
tempo entre o começo das restrições e a redução de novos casos, o sucesso foi maior
em países que se anteciparam. “Ainda que haja oscilações consideráveis nos
números de novos casos diários, é possível identificar padrões de estabilização
nos países analisados”, destacou um trecho do relatório.
Vertical
Bolsonaro tem repetido que medidas de isolamento não reduziram a
curva de casos, contrariando autoridades de saúde e, agora se sabe, até mesmo o
serviço de inteligência do governo. Para o presidente, o correto neste momento
seria proteger grupos de risco (idosos e pessoas com outras doenças) e acabar
com o distanciamento social para as demais faixas etárias. “É igual a uma
chuva. Você vai se molhar. Tem de proteger da chuva os mais fracos, os mais
idosos, para não virar pneumonia”, disse Bolsonaro em 28 de abril. Na mesma
data, ele reagiu com um “e daí?” ao número de mortos no País.
A análise da Abin, no entanto, contraria o discurso do
presidente de que a doença atinge apenas os “mais fracos”. Nos documentos aos
quais o Estadão teve acesso, a agência repete que o número de pacientes sem
comorbidades tem crescido de aproximadamente 20% para 35%, “mostrando que
número significativo de pessoas saudáveis é atingido pela doença, ao contrário
do que se acreditava inicialmente”. Com informações, O Tempo / Foto: Carolina Antunes/PR