SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O presidente Jair Bolsonaro
ameaçou, na noite de quarta-feira (29), não renovar a concessão da TV Globo e
acusou o canal de persegui-lo. O gesto lembra uma medida similar, de
Hugo Chávez, então presidente da Venezuela, que retirou do ar a RCTV,
na época a emissora mais vista do país e conhecida por suas novelas.
Em
dezembro de 2006, Chávez (1954-2013) fez um discurso logo após
conquistar um novo mandato. "Não será renovada a concessão para este
canal golpista de televisão que se chama Radio Caracas Televisión (RCTV)",
anunciou.
Uma das
razões da revolta de Chávez foi que durante a tentativa de golpe de Estado
contra ele, em 2002, a emissora não transmitiu os protestos de rua que pediam
sua volta ao cargo.
"Esse
canal fez muitos danos ao país: os valores negativos, o bombardeio midiático de
violência, o ódio, o racismo, o sexo mal visto e mal-entendido, o desrespeito à
mulher (...) aos homossexuais, ao país e ao mundo e às pessoas que tem alguma
deficiência. Essa é a razão de fundo", afirmou o mandatário.
A RCTV
era o mais visto do país e exibia novelas de grande audiência.
Primeira emissora da Venezuela, foi inaugurada em 1953. Seu primeiro
telejornal, chamado El Observador Creole, levava o nome de um
fabricante de combustíveis, assim como o Repórter Esso, que marcou
época no Brasil.
Após o
anúncio de Chávez, a RCTV questionou a medida, pois dizia ter direito
à concessão até 2021. No entanto, o governo resgatou uma lei dos anos
1980, segundo a qual a permissão expiraria em 2007.
Assim
como no Brasil, as emissoras de TV e de rádio funcionam por licenças públicas,
que precisam ser renovadas periodicamente.
O debate
durou alguns meses. O governo defendeu que não se tratava de um fechamento, mas
apenas de uma não renovação da permissão, algo que poderia ser feito pela
Presidência.
Houve protestos nas ruas e críticas da oposição, mas
mesmo assim o canal foi tirado do ar às 23h55 de 27 de maio de 2007.
Equipamentos foram expropriados e levados para um novo canal estatal,
chamado TVes, que passou a ocupar aquela frequência.
Fora da grade aberta, a emissora foi para a TV paga
a partir de julho de 2007, sob o nome RCTV Internacional. No
entanto, em 2010, o governo ordenou sua retirada dos pacotes por
assinatura, sob acusação de que o canal teria descumprido regras
federais ao se recusar a transmitir um pronunciamento de Chávez.
Depois disso, ela saiu do ar de vez. Em 2015, a CIDH
(Corte Interamericana de Direitos Humanos) ordenou a devolução da concessão
pública, mas a sentença foi ignorada.
A RCTV possui atualmente um canal no YouTube, com 807 mil
seguidores, no qual disponibiliza dezenas de novelas antigas.
Durante um discurso em janeiro, o líder opositor Juan
Guaidó, que se declarou presidente interino da Venezuela mas não conseguiu
assumir o comando do país, levantou um microfone da RCTV e prometeu que o
canal voltaria em breve.
BOLSONARO AMEAÇA
O presidente Jair Bolsonaro ameaçou não renovar a
concessão da TV Globo, maior emissora do país, depois que o Jornal Nacional
revelou que o nome dele foi citado na investigação do assassinato da
vereadora Marielle Franco.
Em tom exaltado, o presidente chamou de
"patifaria" a cobertura que a emissora faz de seu mandato e disse que
é feito um jornalismo "podre" e "canalha". Ele chamou ainda
a imprensa de "porca" e "nojenta".
"Vocês vão renovar a concessão em 2022. Não vou
persegui-los, mas o processo vai estar limpo. Se o processo não estiver limpo,
legal, não tem renovação da concessão de vocês, e de TV nenhuma. Vocês
apostaram em me derrubar no primeiro ano e não conseguiram", disse.
A atual permissão da emissora vence em abril de 2023. A
concessão é renovada ou cancelada pelo presidente, e o Congresso pode
referendar ou derrubar na sequência o ato presidencial em votação nominal de
2/5 das Casas (artigo 223 da Constituição).
Segundo lei
sancionada no governo Michel Temer (MDB), o presidente pode decidir sobre a
concessão até um ano antes de ela vencer -ou seja, em abril de 2022, último ano
do mandato de Bolsonaro.
Apesar das trajetórias parecidas na TV aberta, a Globo
faz parte de uma empresa que possui muito mais canais de distribuição do
que a RCTV tinha. O Grupo Globo soma rádios, sites de notícias,
canais segmentados de TV paga e a plataforma de vídeo sob demanda
Globoplay, entre outros negócios.
O conglomerado teve lucro líquido de R$ 1,2
bilhão em 2018. / Foto: Isac Nóbrega/PR