Na sessão em que o plenário do Supremo Tribunal
Federal ( STF ) confirmou decisão que deixou a demarcação de terras
indígenas na Fundação Nacional do Índio ( Funa i), o
ministro Celso de Mello , o mais
antigo integrante da Corte, aproveitou para passar recados ao presidente JairBolsonaro . Ele disse
que a medida provisória (MP) de Bolsonaro — reeditando norma anterior que
transferia a demarcação para o Ministério da Agricultura, mas que depois foi
rejeitada pelo Congresso — revelou um comportamento que transgride a
Constituição. Celso também alertou para a possibilidade de ocorrer um
"processo de quase imperceptível erosão" das liberdades da sociedade
civil.
— O
comportamento do atual presidente da República, revelado na reedição de medida
provisória, clara e expressamente rejeitada pelo Congresso Nacional no curso da
mesma sessão legislativa, traduz iniludivelmente uma clara, inaceitável
transgressão à autoridade suprema da Constituição e representa uma inadmissível
e perigosa transgressão ao princípio fundamental da separação de poderes —
disse Celso, acrescentando:
—
O regime de governo e as liberdades da sociedade civil muitas vezes expõem-se a
um processo de quase imperceptível erosão, destruindo-se lenta e
progressivamente pela ação ousada e atrevida, quando não usurpadora, dos
poderes estatais, impulsionados muitas vezes pela busca autoritária de maior
domínio e controle hegemônico sobre o aparelho de Estado e sobre os direitos e
garantias básicos do cidadão.
Em
janeiro, uma medida provisória anterior já previa, entre outros pontos, que a
demarcação de terras indígenas ficaria com a Agricultura, e que a Funai seria
ligada ao Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos. Ao analisar a medida,
o Congresso devolveu essa função à Funai, e fez com que o órgão também voltasse
para o Ministério da Justiça.
Mesmo assim,
o presidente editou uma nova MP estabelecendo que a demarcação de terras
indígenas seria do Ministério da Agricultura . Mas a
Constituição proíbe que seja reeditada no mesmo ano medida provisória que tenha
o mesmo conteúdo. Assim, em junho, o ministro Luís Roberto Barroso, do STF, deu
uma decisão liminar suspendendo a validade desse trecho.
Nesta
quinta-feira, dez dos 11 ministros do STF referendaram a decisão de junho. Além
de Barroso e Celso, votaram da mesma forma os ministros Edson Fachin, Rosa
Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Marco
Aurélio Mello e Dias Toffoli. Apenas o ministro Alexandre Moraes não participou
do julgamento.
Durante
a sessão, foi levantada a possibilidade de dar um fim ao processo sem sequer
analisá-lo. Isso porque, depois da liminar de Barroso em junho, o presidente do
Senado, Davi Alcolumbre, devolveu para a Presidência da República o trecho da
MP que transferia a demarcação de terras indígenas da Funai para a Agricultura,
sob o argumento de que havia uma repetição do teor de outra MP.
Nesta
quinta-feira, Barroso entendeu que não era o caso de encerrar o processo, mas
de dar continuidade a ele. A decisão tomada agora pelo plenário também foi
cautelar, ou seja, não é ainda a análise definitiva sobre a questão. Não há
previsão ainda de quando isso vai ocorrer.
— Penso que a manifestação do presidente do
Senado foi um ato político, legítimo. Mas, no próprio âmbito do Congresso eles
depois constituíram a comissão mista. Portanto o processo legislativo
continuou. Houve uma manifestação legítima, quase de indignação do presidente
do Senado, mas o processo legislativo continuou — disse Barroso. oglobo / Foto Rosinei Coutinho/SCO/STF