O presidente da OAB
(Ordem dos Advogados do Brasil), Felipe Santa Cruz, respondeu à provocação
feita pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL), que disse na manhã desta segunda-feira (29) que poderia explicar como o pai dele desapareceu durante a ditadura militar.
Felipe é filho de Fernando Augusto Santa Cruz
de Oliveira, desaparecido em fevereiro de 1974, depois de ter sido preso junto
de um amigo chamado Eduardo Collier por agentes do DOI-CODI, no Rio de Janeiro.
“Por que a OAB impediu que a Polícia
Federal entrasse no telefone de um dos caríssimos advogados? Qual a intenção da
OAB? Quem é essa OAB? Um dia, se o presidente da OAB quiser saber como é que o
pai dele desapareceu no período militar, conto pra ele. Ele não vai querer
ouvir a verdade. Conto pra ele. Não é minha versão. É que a minha vivência me
fez chegar nas conclusões naquele momento. O pai dele integrou a Ação Popular,
o grupo mais sanguinário e violento da guerrilha lá de Pernambuco e veio
desaparecer no Rio de Janeiro”, disse Bolsonaro.
Em resposta, o presidente da entidade
classificou a fala de Bolsonaro como “inqualificáveis” e que isso demonstra
“traços de caráter graves em um governante: crueldade e falta de empatia".
Fernando era estudante de direito e
funcionário do Departamento de Águas e Energia Elétrica em São Paulo e
integrante da Ação Popular Marxista-Leninista. Felipe tinha 2 anos quando o pai
desapareceu.
No relatório da Comissão da Verdade,
responsável por investigar casos de mortos e desaparecidos na ditadura, não há
registro de que Fernando tenha participado de luta armada.
O documento, inclusive, ressalta que
Fernando à época do seu desaparecimento "tinha emprego e endereço fixos e,
portanto, não estava clandestino ou foragido dos órgãos de segurança".
Leia a nota na
íntegra:
Como orgulhoso filho de FERNANDO
SANTA CRUZ, quero inicialmente agradecer pelas manifestações de solidariedade
que estou recebendo em razão das inqualificáveis declarações do presidente Jair
Bolsonaro. O mandatário da República deixa patente seu desconhecimento sobre a
diferença entre público e privado, demonstrando mais uma vez traços de caráter
graves em um governante: a crueldade e a falta de empatia. É de se estranhar
tal comportamento em um homem que se diz cristão. Lamentavelmente, temos um
presidente que trata a perda de um pai como se fosse assunto corriqueiro – e
debocha do assassinato de um jovem aos 26 anos.
Meu pai era da juventude católica de
Pernambuco, funcionário público, casado, aluno de Direito. Minha avó acaba de
falecer, aos 105 anos, sem saber como o filho foi assassinado. Se o presidente
sabe, por “vivência”, tanto sobre o presente caso quanto com relação aos de
todos os demais “desaparecidos”, nossas famílias querem saber.
A respeito da defesa das
prerrogativas da advocacia brasileira, nossa principal missão, asseguro que
permaneceremos irredutíveis na garantia do sigilo da comunicação entre advogado
e cliente. Garantia que é do cidadão, e não do advogado. Vale salientar que, no
episódio citado na infeliz coletiva presidencial, apenas o celular de seu
representante legal foi protegido. Jamais o do autor, sendo essa mais uma
notícia falsa a se somar a tantas.
O que realmente incomoda Bolsonaro é
a defesa que fazemos da advocacia, dos direitos humanos, do meio ambiente, das
minorias e de outros temas da cidadania que ele insiste em atacar. Temas que,
aliás, sempre estiveram - e sempre estarão - sob a salvaguarda da Ordem do
Advogados do Brasil.
Por fim, afirmo que o que une nossas
gerações, a minha e a do meu pai, é o compromisso inarredável com a democracia,
e por ela estamos prontos aos maiores sacrifícios. Goste ou não o presidente. O presidente da OAB, Felipe Santa Cruz — Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil