A diplomacia
do governo Bolsonaro excluiu
menções a gênero, à desigualdade e à tortura ao apresentar a candidatura do
Brasil à reeleição no Conselho
de Direitos Humanos das Nações Unidas, para o triênio de
2020 a 2022. O país também inseriu “o fortalecimento das estruturas familiares”
como uma de suas prioridades no documento da candidatura, que deverá ser
apresentado pelo Ministério
das Relações Exterioresao Conselho Nacional de Direitos Humanos
nesta quinta-feira, às 11h30.
As eleições acontecem em outubro, durante a Assembleia Geral da ONU . Há duas vagas
para países sul-americanos e do Caribe e entende-se que Brasil e Venezuela
serão os únicos candidatos.
Ao
contrário da apresentação da candidatura em 2016, o documento não faz menções
ao termo “gênero”, que então aparecia duas vezes. O texto afirmava que o
governo brasileiro “persistiria em seu intransigente compromisso para a
igualdade de gênero e o empoderamento feminino”, além de reconhecer avanços “na
luta contra todas as formas de violência e discriminação de gênero”.
A promoção
da família, que não era citada na candidatura anterior, é mencionada nove vezes
na atual. “O governo defende o fortalecimento dos vínculos familiares, sob o
enfoque dos direitos humanos”, diz o documento, que afirma que, para tal,são
desenvolvidas “políticas públicas transversais”. No texto, o país se compromete
ainda a apoiar iniciativas que “contribuam para fortalecer as estruturas e
relações familiares, levando em especial consideração as diferentes
circunstâncias socioculturais e econômicas das famílias, sobretudo no que
respeita às famílias em situação de vulnerabilidade”.
Na
manhã desta quinta-feira, o presidente Jair Bolsonaro — que,
na campanha eleitoral do ano passado, disse que o Conselho de Direitos Humanos
não servia para "absolutamente nada" e que tiraria o país do órgão
caso eleito — comentou a candidatura no Twitter. "Na ONU
o governo Jair Bolsonaro apresentará suas prioridades no documento de candidatura
à reeleição no Conselho de Direitos Humanos da ONU. As principais pautas estão
ligadas ao fortalecimento das estruturas familiares e à exclusão das menções de
gênero", escreveu.
Apesar
de não citar gênero, o novo documento, que apresenta compromissos voluntários
do país com o Conselho, defende a “promoção dos direitos das mulheres,
incluindo o combate à violência contra a mulher”, assim como “reconhece o papel
central das mulheres para garantir o desfrute completo dos direitos humanos”,
entre outras menções à promoção dos direitos das mulheres, incluindo o combate
“ao feminicídio e ao assédio sexual”.
O
texto também afirma que o governo brasileiro “prioriza a proteção dos direitos
das pessoas em situações de vulnerabilidade” e afirma que “reitera sua
determinação para combater todas as formas de violência e de discriminação,
especialmente contra grupos e povos em situação de vulnerabilidade”.
A
exclusão da palavra “gênero” e a entrada da promoção da família acompanha a
nova posição brasileira em fóruns internos e internacionais. Nas últimas
semanas, durante audiências do Conselho em Genebra, por diversas vezes o Brasil
foi contra o uso do termo “gênero” em resoluções da ONU. A insistência
brasileira levou o México a retrucar que o termo é consagrado há décadas no
direito internacional, estando presente em mais de 200 resoluções do órgão de
direitos humanos.
Também
foram excluídas menções à pobreza, à desigualdade, à fome e ao desemprego, que
apareciam mais de uma vez no documento de abril de 2016, durante o governo de
Dilma Rousseff, assim como à tortura, que era citada uma vez.
A
inclusão social é o compromisso voluntário de número 17, em um total de 21, da
nova candidatura. O governo brasileiro “continuará a apoiar a implementação de
iniciativas que promovem a inclusão social, a equidade e a educação inclusiva,
para promover melhores padrões de vida e melhorar o bem estar de todos os seus
cidadãos. O governo brasileiro apoia a premissa básica de inclusão para todos,
para não deixar ninguém para trás”, afirma o texto.
O
presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos, Leonardo Pinho, afirmou
que o órgão, que monitora as políticas públicas nacionais na área, terá “muitas
críticas” na reunião desta quinta-feira com o Itamaraty:
— A ausência
de políticas para populações LGBT, de questionamento à pena de morte e da
defesa da prevenção à tortura são muito graves. A candidatura brasileira
deveria ter posições muito claras sobre estes assuntos — afirmou Pinho. — A
ausência de direitos econômicos e sociais é outra questão central. O Brasil e o
mundo passam por um processo de baixa recuperação econômica, e é importante o
país dar prioridade a essa área.
A
exclusão da menção à tortura preocupa Camila Asano, coordenadora da ONG
Conectas Direitos Humanas, que é credenciada na ONU. Segundo ela, a ausência de
menção acompanha uma mudança de prioridade interna. Asano cita como exemplo o
esvaziamento do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, em junho.
—
A exclusão à tortura preocupa muito. A tortura continua uma realidade no
Brasil, que já tem um longo histórico neste assunto. A ausência de menção a
isso se soma ao decreto que altera o Mecanismo de Prevenção à Tortura, que
levou a própria ONU a pedir que o Brasil se justificasse. Este é um péssimo
sinal para país que acha que merece ter lugar no Conselho de Direitos Humanos
da ONU — disse.
Em
relação às populações indígenas, a candidatura afirma que o Brasil “promove
políticas públicas abrangentes voltadas ao desenvolvimento sustentável das
populações indígenas, ao mesmo tempo em que busca garantir o acesso
diferenciado aos direitos sociais e de cidadania dos povos indígenas”. O texto
afirma o compromisso de “garantir, promover e proteger os direitos dos povos
indígenas, em linha com os compromissos internacionais assumidos pelo país, bem
como assegurar serviços públicos essenciais para as comunidades indígenas”.
Procurado,
o Itamaraty não se manifestou até a manhã desta quinta-feira. Este texto será
atualizado quando tiver resposta do órgão.
Nestas
quinta e sexta-feira, acontecem votações no Conselho de Direitos Humanos da ONU
de resoluções ligadas a direitos da mulher e a gênero. Há incerteza sobre como
votará o país em resoluções que incluem o termo. oglobo / Foto Marcos Corrêa | PR