O plenário do Supremo
Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quarta-feira, por sete votos a quatro, que
é crime a fuga de motorista do local de um acidente de trânsito.
Para a maioria dos ministros,
a punição para quem deixa o local do acidente não fere a garantia do cidadão de
não ser obrigado a produzir prova contra si mesmo.
De acordo com a decisão do
Supremo, a fuga deve ser criminalizada sempre que houver intenção de fugir à
responsabilidade penal – não ser processado por atropelamento ou morte, por
exemplo – ou se a intenção for evitar a responsabilização civil – ter que arcar
com os gastos de conserto ou outras indenizações.
Na decisão, os ministros
ressalvaram, porém, que a punição não se aplica se comprovadas situações
excepcionais, como casos em que o motorista estiver ferido ou se houver risco
de linchamento.
A maioria do Supremo
considerou que é constitucional o artigo 305 do Código de Trânsito Brasileiro.
O artigo pune com detenção de seis meses a um ano o condutor do veículo que se
afasta do local do acidente “para fugir à responsabilidade penal ou civil que
lhe possa ser atribuída”.
Votaram a favor de considerar crime a fuga do local do
acidente os ministros
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Luiz Fux, relator
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Alexandre de Moraes
·
Luiz Edson Fachin
·
Luís Roberto Barroso
·
Rosa Weber
·
Cármen Lúcia
·
Ricardo Lewandowski
Votaram contra por entenderem que o crime
deveria ser revogado os ministros
·
Gilmar Mendes
·
Marco Aurélio Mello
·
Celso de Mello
·
Dias Toffoli, presidente do STF
Argumentos
dos ministros
A maioria dos ministros
concordou com o recurso do MP. Saiba como se posicionaram os ministros durante
o julgamento:
Luiz Fux - "A exigência de
permanência no local do acidente e identificação não obriga o condutor a
assumir expressamente a sua responsabilidade civil ou penal”, afirmou . "O
princípio da proporcionalidade propugna pela defesa dos direitos fundamentais
sempre. E a responsabilização penal de quem foge do local do acidente no Código
de Trânsito tem apoio constitucional."
Alexandre de Moraes - “O direito ao
silêncio não significa o direito de recusa de participar do devido processo
legal."
Luiz Edson Fachin - “Todos nós brandimos armas
contra a morosidade da Justiça, a dificuldade de responsabilização, os lapsos
temporais alargados que podem se converter em impunidade. Este tipo vem na
direção oposta. E, portanto, me parece que é constitucional."
Luís Roberto Barroso - "A permanência
no local do delito é imunizada de qualquer intervenção penal sobre a pesoa para
dar incentivo a esta prática solidária e minimamente humana de socorrer alguém.
E o ato de socorrer, diante de fato de trânsito, deve ser atenuante relevante
numa demonstração de culpabilidade."
Rosa Weber - "Eu compreendo que o
artigo 305 em exame, ao expressar a preocupação do legislador federal com a
administração da justiça, com a segurança no trânsito e, por conseguinte, com a
preservação dos direitos - a integridade da vitima, a incolumidade pública, a
saúde dos usuários da vias públicas, não malferem os princípios da ampla
defesa, da auto incriminação e da igualdade."
Cármen Lúcia - "A questão do
transito é muito educativa e se revolve pela mudança de cultura. (...) Não
vislumbro excesso legiferante penal, porque outras medidas administrativas não
foram suficientes para nós não chegarmos num período como esse com 47 mil
mortes por acidentes de trânsito no ano, que é muito mais do que se tem em
muitas guerras."
Ricardo Lewandowski - "Não significa
autoincriminalção e pode até ser autodefesa. Para esclarecer circusntância do
acidente. Eventual risco de agressões que o motorista possa sofrer, lesão
corporal, circunstâncias que exijam abandono do local do acidente, pode ser
legitimado o abandono, mediante excludente de ilicitude, tal como legitima
defesa. Quando atropela um motoqueiro, 50 motoqueiros se reúnem em torno do
motorista e este pode sofrer risco de lesão corporal e parece legítimo que se
evada do local para preservar incolumidade física."
Gilmar Mendes - "O Supremo já
assentou que o direito de permanecer calado deve ser interpretado de modo
amplo, e não somente de modo literal com relação a declarações verbais. A
criminalização da opção do réu de não se apresentar a meu ver viola o núcleo
duro do direito fundamental à não autoincriminação, trata-se de medida que
afronta ainda a proporcionalidade pela proibição de excesso tendo em vista a
existência de outros meios e ferramentas colocados à disposição da persecução
estatal."
Marco Aurélio Mello - "A meu ver o passo foi
demasiadamente largo dado pelo legislador no que previu esse tipo penal,
partindo do simples pressuposto de que deveria ficar o condutor no local do
acidente. Nós não temos previsão dessa largueza sequer daqueles que hajam
realmente praticado crime."
Celso de Mello - "A
jurisprudência do STF tem reafirmado de modo consistente os direitos e
garantias que assistem a qualquer pessoa sob investigação estatal ou sob
persecução penal. O STF, ao assegurar jurisdicionalmente o direito fundamental
à não autoincriminação, tem advertido reiteradas vezes que as acusações penais
jamais, nunca se presumem provadas."
Dias Toffoli - somente acompanhou a
divergência, sem argumentar.
Caso
concreto
Os ministros analisaram um
recurso do Ministério Público contra decisão do Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Sul, que absolveu um taxista que fugiu do local onde bateu o carro em
outro veículo em 2010 na cidade de Flores da Cunha.
Ele foi condenado a 8 meses
de prisão na primeira instância, mas absolvido depois pelo TJ-RS. O Supremo
atendeu ao pedido do MP para derrubar a absolvição e retomar a condenação do
taxista imposta na primeira instância.
O caso tem repercussão
geral. Isso quer dizer que a decisão valerá para outros 130 processos
semelhantes que tramitam na Justiça. Também servirá de base para uma outra ação
ampla da Procuradoria Geral da República (PGR) sobre o tema (veja mais abaixo).
Ao absolver o taxista, o
TJ-RS argumentou que ninguém é obrigado a produzir provas contra si. Para o
tribunal, a condenação foi ilegal porque obrigá-lo a permanecer no local do
acidente seria violar a garantia de não se incriminar, prevista no artigo 5º da
Constituição.
O Ministério Público do Rio
Grande do Sul recorreu ao STF em 2016. Argumentou que a permanência do condutor
no local do acidente não se confunde com confissão de autoria ou reconhecimento
de culpa, mas se trata de uma colaboração com as autoridades.
Ação
da PGR
Em 2015, a
Procuradoria-Geral da República entrou com uma ação para confirmar a
constitucionalidade do crime de fuga do local do acidente.
Embora trate exatamente do
mesmo tema julgado nesta quarta-feira, essa ação ainda terá que ser analisada
pelo STF para que o entendimento que criminaliza a fuga do local de acidente
tenha validade ampla.
A Ação Declaratória de
Constitucionalidade (ADC) é de relatoria do ministro Marco Aurélio Mello.
No processo, a Procuradoria
destaca que decisões dos Tribunais de Justiça de São Paulo, do Rio Grande do
Sul, de Santa Catarina e de Minas Gerais, além do Tribunal Regional Federal da
4ª Região (que inclui PR, SC e RS), já consideraram a norma do código de
trânsito como ilegal.
Quase diariamente são
registrados em todo o país acidentes de trânsito, como batidas ou
atropelamentos, nos quais o motorista foge do local, muitas vezes sem prestar
socorro a vítimas.| Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) durante sessão desta quarta-feira (14) — Foto: Nelson Jr./SCO/STF / G1