Implementado em março de 2018 em 160 escolas e creches das
cidades de Biritinga, Serrinha, Barrocas e Teofilândia, no sertão baiano, um
projeto do Ministério Público da Bahia que aos poucos está retirando a proteína
animal da merenda escolar divide a opinião dos especialistas.
A
previsão é de que até o final de 2019, 100% do cardápio da merenda escolar
nestas cidades estejam sem proteína animal. Ao todo, cerca de 30 mil alunos são
afetados pela mudança, que retira especialmente a carne, o leite e os ovos da
merenda.
De
acordo com a promotora de justiça Letícia Baird, idealizadora do projeto, o
"Escola Sustentável" foi pensado após um levantamento sobre a
qualidade da merenda ter encontrado muitos casos de desnutrição, obesidade e
alergias, além de mau uso do dinheiro público na compra dos alimentos.
Promotora Letícia Baird foi a idealizadora do projeto |
“Muito
açúcar, biscoitos, achocolatado, rosquinhas, muitas carnes processadas, como
sardinha, charque, alimentos processados e com pouca utilização dos itens que
são considerados obrigatórios, previstos expressamente pelo Programa Nacional
de Alimentação Escolar, que são frutas e hortaliças”.
A
nutricionista Camila Almeida, que foi uma das consultoras do MP-BA para
implementar o projeto, diz que a alimentação baseada em vegetais garante todos
os nutrientes que as crianças precisam.
“A
proposta de se fazer isso, utilizando uma dieta baseada em vegetais, vem de
todo um cunho científico que nos dá terreno para a gente ter certeza da
segurança da alimentação baseada em vegetais”.
No Centro Educacional Dom Bosco, na cidade de Biritinga, uma das mudanças no
cardápio foi no tradicional baião de dois, que leva arroz e feijão. Antes do
projeto, o prato vinha acompanhado de charque, mas agora é servido com farofa
de flocos de milho e soja.
Os
alunos aprovaram. "Muito gostosa e saudável", diz uma aluna do Dom
Bosco. Uma coleguinha concorda e acrescenta: "Porque tem verduras e
legumes".
A
Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), entretanto, questiona a medida. Para a
nutróloga Junaura Barreto, integrante da SPB, a exclusão da proteína animal da
merenda escolar é preocupante.
“Nos
preocupa a exclusão de um grupo alimentar tão importante, como a proteína
animal, que vai ser fonte de ferro, vai ser fonte de zinco, vai ser fonte de
cálcio na alimentação de crianças de uma população carente, do sertão".
Para
a especialista, a condição social dos alunos deveria ser levada em conta na
implementação do projeto.
"A
gente vive num país em que tem prevalência de anemia por carência de ferro de
mais de 50%. E essas crianças vão às escolas, na maioria das vezes, tendo como
refeição principal a merenda escolar. A gente concorda que precisa de correção
[na merenda]. O que nos preocupa é a deficiência nesses dois anos, da exclusão
total de um grupo alimentar tão importante”.
Junaura destaca ainda que a deficiência de nutrientes encontrados nos alimentos
de origem animal podem acarretar em problemas cognitivos.
“A
carência de ferro traz repercussões cognitivas importantes, inclusive
dificuldades de aprendizado, e algumas repercussões que são irreversíveis. Têm
estudos mostrando que crianças que tiveram anemia por deficiência de ferro têm
alterações em níveis cerebrais que são irreversíveis, e levam para a vida
adulta. Então, são adultos que terão deficiências cognitivas de alguma forma”,
afirma.
Com
relação às justificativas do MP-BA para implementação do "Escola
Sustentável", como obesidade e desnutrição das crianças, Junaura diz que
outros fatores também influenciam nesses problemas.
“Nós
sabemos que existem dificuldades na gestão e na seleção destes nutrientes na
merenda escolar de um modo geral, mas a prevenção da obesidade vem muito mais
do incentivo ao aleitamento materno, e o próprio leite materno é uma proteína
animal, mas uma proteína espécie específica. Essas crianças que estão na escola
não estão mais mamando, elas não têm a fonte proteica da mãe, elas têm a fonte
proteica externa", diz.
Na
criança menor de cinco anos de idade, a prevalência no nosso país de anemia
ferropriva, de deficiência de vitamina A, deficiência de zinco – que interfere
no crescimento e na imunidade, nas defesas contra infecções-, ainda é
significativa. Então, a restrição de grupos alimentares que são fonte destes
nutrientes nos preocupa”. [g1 / Foto: Reprodução/TV Bahia]