Candidata derrotada no primeiro
turno, Marina Silva (Rede) declarou nesta segunda-feira (22) que vai dar um
"voto crítico" em Fernando Haddad, do PT, que disputa a presidência
com Jair Bolsonaro (PSL). Marina publicou uma carta em suas redes sociais
citando várias críticas a Bolsonaro. Ela lembra que a Rede Sustentabilidade já
tinha recomendado a filiados e simpatizantes que não votassem no candidato do
PSL, "pelo perigo que sua campanha anuncia contra a democracia, o
meio-ambiente, os direitos civis e o respeito à diversidade".
Agora, Marina tomou uma posição mais
pessoal e afirmou que votará em Haddad, apesar de críticas que tem ao candidato
e ao seu partido. Ela enumera pontos negativos da candidatura de Bolsonaro. Ela
afirma que existem três pontos muito preocupantes na candidatura. O primeiro é
o do ponto de vista do meio ambiente. "Chega ao absurdo de anunciar a
incorporação do Ministério do Meio Ambiente ao Ministério da Agricultura. Com
isso, atenta contra o interesse da sociedade e o futuro do país", afirma
Marina. O segundo é minimização da importância de direitos e da diversidade da
sociedade, "promovendo a incitação sistemática ao ódio, à violência, à
discriminação". O terceiro ponto é ser "um projeto que mostra pouco
apreço às regras democráticas".
No final, Marina afirma que diante do cenário
irá votar em Haddad, a quem espera fazer uma oposição
democrática. "Diante do pior risco iminente, de ações que, como diz
Hannah Arendt, “destroem sempre que surgem”, “banalizando o mal”, propugnadas
pela campanha do candidato Bolsonaro, darei um voto crítico e farei oposição
democrática a uma pessoa que, “pelo menos” e ainda bem, não prega a extinção
dos direitos dos índios, a discriminação das minorias, a repressão aos
movimentos, o aviltamento ainda maior das mulheres, negros e pobres, o fim da
base legal e das estruturas da proteção ambiental, que é o professor Fernando
Haddad".
Marina
cita sua votação inexpressiva no primeiro turno. "Sei que, com apenas 1%
de votação no primeiro turno, a importância de minha manifestação, numa lógica
eleitoral restrita, é puramente simbólica. Mas é meu dever ético e político
fazê-la".
Leia o texto completo:
Neste segundo
turno a Rede Sustentabilidade já recomendou a seus filiados e simpatizantes que
não votem em Bolsonaro, pelo perigo que sua campanha anuncia contra a
democracia, o meio-ambiente, os direitos civis e o respeito à diversidade
existente em nossa sociedade.
Do outro
lado, a frente política autointitulada democrática e progressista não se mostra
capaz de inspirar uma aliança ou mesmo uma composição. Mantém o jogo do
faz-de-conta do desespero eleitoral, segue firme no universo do marketing, sem
que o candidato inspire-se na gravidade do momento para virar a própria mesa,
fazer uma autocrítica corajosa e tentar ser o eixo de uma alternativa
democrática verdadeira. Alianças vêm de propósitos comuns, de valores políticos
e éticos, de programas e projetos compartilhados, que só são possíveis em um
ambiente de confiança em que, diante de inaceitáveis e inegáveis erros, a
crítica é livre e a autocrítica é sincera.
Cada um de
nós tem, em sua consciência, os valores que definem seu voto. Sei que, com
apenas 1% de votação no primeiro turno, a importância de minha manifestação,
numa lógica eleitoral restrita, é puramente simbólica. Mas é meu dever ético e
político fazê-la.
Importa
destacar que, como já afirmei ao final do primeiro turno, serei oposição,
independentemente de quem seja o próximo presidente do Brasil, e continuarei
minha luta histórica por um país politicamente democrático, economicamente
próspero, socialmente justo, culturalmente diverso, ambientalmente sustentável,
livre da corrupção, e empenhado em se preparar para um futuro no qual os
grandes equívocos do modelo de desenvolvimento sejam superados por uma nova
concepção de qualidade de vida, de justiça, de objetivos pessoais e coletivos.
O meu apoio à Operação Lava-jato, desde o início, faz parte dessa concepção, na
qual o Estado não é um bunker de poder de grupos, mas um instrumento de procura
do bem público.
Vejo no
projeto político defendido pelo candidato Bolsonaro, risco imediato para três
princípios fundamentais da minha prática política: primeiro, promete desmontar
a estrutura de proteção ambiental conquistada ao longo de décadas, por gerações
de ambientalistas, fazendo uso de argumentos grotescos, tecnicamente
insustentáveis e desinformados. Chega ao absurdo de anunciar a incorporação do
Ministério do Meio Ambiente ao Ministério da Agricultura. Com isso, atenta
contra o interesse da sociedade e o futuro do país. Ademais, desconsidera os
direitos das comunidades indígenas e quilombolas, anunciando que não será
demarcado mais um centímetro de suas terras, repetindo discursos que já estão
desmoralizados e cabalmente rebatidos desde o início da segunda metade do
século passado. Segundo, é um projeto que minimiza a importância de direitos e
da diversidade existente na sociedade, promovendo a incitação sistemática ao
ódio, à violência, à discriminação. Por fim, em terceiro lugar, é um projeto
que mostra pouco apreço às regras democráticas, acumula manifestações
irresponsáveis e levianas a respeito das instituições públicas e põe em cheque
as conquistas históricas desde a Constituinte de 1988.
Por sua vez,
a campanha de Haddad, embora afirmando no discurso a democracia e os direitos
sociais, evocando inclusive algumas boas ações e políticas públicas que, de
fato, realizaram na área social em seus governos, escondem e não assumem os
graves prejuízos causados pela sua prática política predatória, sustentada pela
falta de ética e pela corrupção que a Operação Lava-Jato revelou, além de uma
visão da economia que está na origem dessa grave crise econômica e social que o
país enfrenta.
Os dirigentes
petistas construíram um projeto de poder pelo poder, pouco afeito à alternância
democrática e sempre autocomplacente: as realizações são infladas, não há
erros, não há o que mudar.
Ao qualificar
ambos os candidatos desta forma, não tenho a intenção de ofender seus
eleitores, milhões de pessoas que acreditam sinceramente em um deles ou que
recusam o outro, com muitas e justificadas razões. E creio que os xingamentos e
acusações trocados nas redes sociais e nas ruas só trazem prejuízos à
democracia, mas é visível que, na maioria das vezes, essas atitudes são
estimuladas pelos discursos dos candidatos e de seus apoiadores. A política
democrática deve estar fortemente aliançada no respeito à Constituição e às
instituições, exercida em um ambiente de cultura de paz e não-violência.
Outro motivo
importante para a definição e declaração de meu voto é a minha consciência
cristã, valor central em minha vida. Muitos parecem esquecer, mas Jesus foi
severo em palavras e duro em atitudes com os que têm dificuldade de entender o
mandamento máximo do amor.
É um engano
pensar que a invocação ao nome de Deus pela campanha de Bolsonaro tem o
objetivo de fazer o sistema político retornar aos fundamentos éticos orientados
pela fé cristã que são tão presentes em toda a cultura ocidental. A pregação de
ódio contra as minorias frágeis, a opção por um sistema econômico que nega
direitos e um sistema social que premia a injustiça, faz da campanha de
Bolsonaro um passo adiante na degradação da natureza, da coesão social e da
civilização. Não é um retorno genuíno ao mandamento do amor, é uma indefensável
regressão e, portanto, uma forma de utilizar o nome de Deus em vão.
É melhor
prevenir. Crimes de lesa humanidade não tem como se possa reparar. E nem
adianta contar com o alívio do esquecimento trazido pelo tempo se algo
irreparável acontecer. Crimes de lesa humanidade o tempo não apaga, permanecem
como lição amarga, embora nem todos a aprendam.
Todas essas
reflexões me inquietam, mas mostram o caminho da firmeza, do equilíbrio na
análise e a necessidade de pagar o preço da coerência, seja ele qual for.
E assim
chegamos, neste segundo turno, ao ponto extremo de uma narrativa antiga na
política brasileira, a do “rouba, mas faz” e depois, do “rouba, mas faz
reformas”, mas ajuda os pobres, mas é de direita, mas é de esquerda etc. De
reducionismo em reducionismo, inauguramos agora o triste tempo do "pelo
menos”.
Diante do
pior risco iminente, de ações que, como diz Hannah Arendt, “destroem sempre que
surgem”, “banalizando o mal”, propugnadas pela campanha do candidato Bolsonaro,
darei um voto crítico e farei oposição democrática a uma pessoa que, “pelo
menos” e ainda bem, não prega a extinção dos direitos dos índios, a
discriminação das minorias, a repressão aos movimentos, o aviltamento ainda
maior das mulheres, negros e pobres, o fim da base legal e das estruturas da
proteção ambiental, que é o professor Fernando Haddad. [correio24h / Foto Arquivo AFP ]