A Associação Juízes
para a Democracia criticou o presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias
Toffoli, por chamar o golpe militar de "movimento de 64"
"Repudia-se
toda e qualquer tentativa de minimização do regime de exceção vigente no Brasil
entre os anos de 1964 e 1985, fundado na imposição de um Estado ilegítimo
forjado na força bruta, no medo e no silêncio de seus opositores",
informou a entidade, em nota.
A
comparação de Toffoli ocorreu durante discurso em seminário sobre os 30
anos da Constituição de 1988.
Confira a nota na íntegra:
A ASSOCIAÇÃO JUÍZES PARA A DEMOCRACIA (AJD), entidade não
governamental e sem fins corporativos, que tem por finalidade estatutária o
respeito absoluto e incondicional aos valores próprios do Estado Democrático de
Direito, vem, diante da crise político-institucional instaurada e diariamente
agravada no cenário nacional, bem como da proximidade das eleições,
manifestar-se nos seguintes termos:
1 – O processo de redemocratização do país que culminou na
promulgação da Constituição Federal em 1988, além de romper com o regime
ditatorial até então vigente, significou importante avanço na criação e no
fortalecimento de instituições do Estado cuja atuação deve ser essencialmente
voltada à promoção de direitos, sobretudo das camadas marginalizadas e
vulneráveis, tais como a Defensoria Pública e o Ministério Público. Mais que
isso, ao prever extenso rol de direitos e garantias fundamentais intrínsecos à condição
humana, abarcando até mesmo os tratados e convenções internacionais dos quais o
Brasil é signatário, o constituinte delegou ao Poder Judiciário a incumbência
de garantir sua efetividade em face dos mais diferentes e escusos interesses
que porventura atravessarem a caminhada democrática.
2 – Assim é que os magistrados brasileiros devem nortear sua
atuação pelo absoluto respeito ao Estado Democrático de Direito e a todos os
princípios e fundamentos que dele derivam, tais como a cidadania, a dignidade
da pessoa humana e o pluralismo político (CF, art. 1º). Ademais, sendo o Poder
Judiciário formado por juízes independentes em sua função de dizer o direito ao
caso concreto, soa inaceitável qualquer tentativa de influência ou pressão
sobre seus membros, seja popular, midiática ou oriunda de grupos detentores do
poder político e econômico, sob pena de patente desvirtuamento de seu papel
constitucional.
3 – Todavia, com a proximidade das eleições, é preciso que se
relembre que, em que pese deva o Poder Judiciário garantir a máxima efetividade
dos mandamentos constitucionais, não podem seus membros, sob tal fundamento,
comportarem-se com proatividade e ao arrepio da lei, forçando um protagonismo
que não é próprio à democracia. Deveras, o crescente extrapolamento das reais
funções do Poder Judiciário representa preocupante subversão do ordenamento
jurídico e dos princípios basilares republicanos, dentre os quais o da
separação dos Poderes (CF, art. 2º), na medida em que a soberania popular
representada por agentes democraticamente eleitos vem sendo arbitrariamente
substituída por convicções íntimas e particulares de julgadores.
4 – Considerando que todo o poder emana do povo, o voto
constitui expressão máxima da cidadania no seio de uma sociedade minimamente
democrática. Ora, estando os direitos políticos situados no inegociável terreno
dos direitos fundamentais dos cidadãos brasileiros, cabe ao Poder Judiciário
sua absoluta proteção, a fim de que não se admita qualquer retrocesso. A
garantia de que a escolha popular seja, de fato, livre, passa pela necessidade
de construção um ambiente pacífico, sendo certo que os recentes impasses
protagonizados pelo indevido ativismo do Poder Judiciário, sobretudo por sua
Corte máxima, somente prejudicam tal desiderato.
5 – Ainda, merecem repúdio as cada vez mais habituais
declarações de alguns setores das Forças Armadas em relação ao processo
eleitoral, seja por representarem total distanciamento do papel que lhes é
reservado pela Constituição Federal, seja por promoverem instabilidade e
acirramento de discursos polarizados no já fragilizado ambiente democrático
brasileiro.
6 – As ameaças ao Estado Democrático de Direito devem ser
tratadas e repelidas com rigor pelas autoridades brasileiras, sobretudo
considerando as nefastas consequências advindas da ascensão de regimes
opressivos e totalitários na História não somente nacional, mas mundial. Nesse
ponto, lembramos que o golpe militar de 1964 não pode ser classificado como um
simples “movimento”, sob pena de apagamento e naturalização da política de
tortura, morte e perseguição institucionalizada pelo Estado Brasileiro contra
seus cidadãos – muitos deles cujos corpos até hoje não foram localizados.
Assim, amparada na convicção de que cabe ao Poder Judiciário a
garantia do cumprimento irrestrito da Constituição Federal, a Associação Juízes
para a Democracia (AJD) clama pela responsabilidade das autoridades
competentes, assegurando que as urnas representem a vontade livre e soberana do
povo, sem quaisquer interferências, a fim de que o Estado Democrático de
Direito não sucumba frente a interesses absolutamente desvinculados da nação.
Repudia-se, ainda, toda e qualquer tentativa de minimização do regime de
exceção vigente no Brasil entre os anos de 1964 e 1985, fundado na imposição de
um Estado ilegítimo forjado na força bruta, no medo e no silêncio de seus
opositores.
São Paulo, 3 de outubro de 2018.
Foto : Gil Ferreira/Agência CNJ / metro1