Por maioria de votos, o
Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) declarou que a condução coercitiva
de réu ou investigado para interrogatório, constante do artigo 260 do Código de
Processo Penal (CPP), não foi recepcionada pela Constituição de 1988. A decisão
foi tomada no julgamento das Arguições de Descumprimento de Preceito
Fundamental (ADPFs) 395 e 444, ajuizadas, respectivamente, pelo Partido dos
Trabalhadores (PT) e pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). O emprego da
medida, segundo o entendimento majoritário, representa restrição à liberdade de
locomoção e viola a presunção de não culpabilidade, sendo, portanto,
incompatível com a Constituição Federal.
Pela decisão do Plenário, o agente ou a autoridade que desobedecerem
a decisão poderão ser responsabilizados nos âmbitos disciplinar, civil e penal.
As provas obtidas por meio do interrogatório ilegal também podem ser
consideradas ilícitas, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado. Ao
proclamar o resultado do julgamento, a presidente do STF, ministra Cármen
Lúcia, ressaltou ainda que a decisão do Tribunal não desconstitui
interrogatórios realizados até a data de hoje (14), mesmo que o investigado ou
réu tenha sido coercitivamente conduzido para tal ato.
Julgamento
O julgamento teve início no último dia 7, com a manifestação das
partes e dos amici curiae e com o voto do relator, ministro Gilmar Mendes, pela
procedência das ações. Na continuação, na sessão de ontem (13), a ministra Rosa
Weber acompanhou o voto do relator.
O ministro Alexandre de Moraes divergiu parcialmente, entendendo
que a condução coercitiva é legítima apenas quando o investigado não tiver
atendido, injustificadamente, prévia intimação. O ministro Edson Fachin
divergiu em maior extensão. Segundo ele, para decretação da condução coercitiva
com fins de interrogatório é necessária a prévia intimação do investigado e sua
ausência injustificada, mas a medida também é cabível sempre que a condução
ocorrer em substituição a medida cautelar mais grave, a exemplo da prisão
preventiva e da prisão temporária, devendo ser assegurado ao acusado os
direitos constitucionais, entre eles o de permanecer em silêncio. Seu voto foi
acompanhado pelos ministros Roberto Barroso e Luiz Fux.
O julgamento foi retomado na tarde desta quinta-feira (14) com o
voto do ministro Dias Toffoli, que acompanhou o relator. Para o ministro, é
dever do Supremo, na tutela da liberdade de locomoção, “zelar pela estrita
observância dos limites legais para a imposição da condução coercitiva, sem dar
margem para que se adotem interpretações criativas que atentem contra o direito
fundamental de ir e vir, a garantia do contraditório e da ampla defesa e a
garantia da não autoincriminação”.
O ministro Ricardo Lewandowski também acompanhou a corrente
majoritária, e afirmou que se voltar contra conduções coercitivas nada tem a
ver com a proteção de acusados ricos nem com a tentativa de dificultar o
combate à corrupção. “Por mais que se possa ceder ao clamor público, os
operadores do direito, sobretudo os magistrados, devem evitar a adoção de atos
que viraram rotina nos dias atuais, tais como o televisionamento de audiências
sob sigilo, as interceptações telefônicas ininterruptas, o deferimento de
condução coercitiva sem que tenha havido a intimação prévia do acusado, os
vazamentos de conversas sigilosas e de delações não homologadas e as prisões
provisórias alongadas, dentre outras violações inadmissíveis em um estado
democrático de direito”, disse.
Para o ministro Marco Aurélio, que também votou pela procedência
das ações, o artigo 260 do CPP não foi recepcionado pela Constituição Federal
de 1998 quanto à condução coercitiva para interrogatório. O ministro considerou
não haver dúvida de que o instituto cerceia a liberdade de ir e vir e ocorre mediante
um ato de força praticado pelo Estado. A medida, a seu ver, causa desgaste
irreparável da imagem do cidadão frente aos semelhantes, alcançando a sua
dignidade.
Votou no mesmo sentido o ministro Celso de Mello, ressaltando
que a condução coercitiva para interrogatório é inadmissível sob o ponto de
vista constitucional, com base na garantia do devido processo penal e da
prerrogativa quanto à autoincriminação. Ele explicou ainda que, para ser
validamente efetivado, o mandato de condução coercitiva, nas hipóteses de
testemunhas e peritos, por exemplo, é necessário o cumprimento dos seguintes
pressupostos: prévia e regular intimação pessoal do convocado para comparecer
perante a autoridade competente, não comparecimento ao ato processual designado
e inexistência de causa legítima que justifique a ausência ao ato processual
que motivou a convocação.
A presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, acompanhou o voto do
ministro Edson Fachin. De acordo com ela, a condução coercitiva interpretada,
aplicada e praticada nos termos da lei não contraria, por si só, direitos
fundamentais. Ressaltou, entretanto, que não se pode aceitar “qualquer forma de
abuso que venha a ocorrer em casos de condução coercitiva, prisão ou qualquer
ato praticado por juiz em matéria penal”.
Leia a íntegra dos votos do ministro Alexandre de Moraes,
do ministro Edson Fachin e
do ministro Celso de Mello. [Informações do STF / Foto: Nelson Jr./SCO/STF (10/05/2018)]