O ex-ministro do STF (Supremo
Tribunal Federal) Joaquim Barbosa afirmou que o país foi "sequestrado por
um bando de políticos inescrupulosos" e que em "nenhum país do
mundo" Temer teria permanecido no cargo após ter sido acusado de praticar
crimes graves.
"Nosso país foi
sequestrado por um bando de políticos inescrupulosos que reduziram nossas
instituições a frangalhos. Em nenhum país do mundo um chefe de governo
permaneceria um dia sequer no cargo depois de acusações tão graves quanto
aquelas que foram feitas contra Temer. O Brasil entrou numa fase de
instabilidade crônica, da qual talvez só saia em 2018 [com as eleições]",
afirmou em entrevista ao jornal "Valor Econômico", publicada nesta
sexta-feira (1º).
As declarações foram dadas no
momento de expectativa quanto a uma possível nova denúncia da PGR (Procuradoria-Geral
da República) contra Temer. O procurador-geral da
República, Rodrigo Janot, havia denunciado Temer por corrupção passiva,
mas a Câmara dos Deputados rejeitou no começo de agosto que
uma investigação fosse aberta contra ele durante o
exercício do cargo. Foi a primeira vez que um presidente brasileiro em pleno exercício
do poder foi acusado formalmente.
Michel Temer deveria ter tido a
honradez de deixar a Presidência"
Joaquim Barbosa, ex-ministro do STF
Na entrevista, Joaquim Barbosa voltou a criticar o impeachment que, há
um ano, tirou a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) do poder.
Segundo ele, o processo foi "controverso e patético".
"Eles instauraram no
Brasil a ordem jurídica deles, e não a das nossas instituições. O Brasil teve
um processo de impeachment controverso e patético e o mundo inteiro assistiu. A
sequência daquele impeachment é o que estamos vendo hoje. Não há parâmetro de
comparação entre a gravidade dos fatos. Michel Temer deveria ter tido a
honradez de deixar a Presidência", criticou.
Joaquim Barbosa disse ainda que
essa "balbúrdia institucional que se instalou no Brasil" manchou a
imagem do país internacionalmente e é a razão de o país ter sido ignorado por líderes que recentemente
passaram pela América do Sul, como os primeiros-ministros
alemão, canadense e israelense, Angela Merkel, Justin Trudeau e Benjamin Netanyahu,
respectivamente.
"O Brasil passa por um
retrocesso institucional que se reflete em sua imagem externa. É um país
incontornável, mas que está impedido de exercer seu papel internacional por
força da conjuntura triste pela qual passamos", disse
O ex-ministro disse acreditar
que os brasileiros já não saem às ruas para protestar porque "estão
cansados" da instabilidade e das manipulações "indecentes" dos
políticos. Porém, a principal razão é que eles estão muito ocupados tentando "sobreviver".
O Brasil passa por um retrocesso
institucional"
Joaquim Barbosa
Joaquim Barbosa declarou ser a
favor das reformas propostas pelo governo Temer, mas disse ser "muito
grave que estejam sendo conduzidas por um governo que não foi respaldado pelo
voto". "São reformas importantes, talvez não com essa visão
ultraliberal que se quer implantar, que mexem no cerne do pacto social",
disse.
Quarto colocado nas pesquisas de intenção de voto para a Presidência nas eleições
do ano que vem e até hoje considerado símbolo do combate a corrupção no Brasil
--pela sua atuação como relator do julgamento do mensalão--, Joaquim Barbosa
negou mais uma vez que será candidato à Presidência da República no ano que
vem, apesar da sua aproximação com a Rede, de Marina Silva.
Na entrevista, ele falou de
eleições, disse que Lula não deveria se candidatar porque isso "vai rachar
ainda mais o país". Segundo ele, "a turma de Curitiba" está
motivada a adiantar processos para que ele não possa se candidatar. "Já
está em idade de usufruir da vida e do dinheiro que ganhou com suas palestras.
Só que o estão empurrando para ser candidato, com essa cruzada que o coloca contra
a parede. É um ódio irracional esse que apareceu no país", disse.
Sobre reforma política,
manifestou-se favorável ao voto distrital, seja ele puro ou misto, e se mostrou
contrário às propostas de parlamentarismo, dizendo que a ideia é de "gente
sem escrúpulos".
Essa gente é tão sem escrúpulo que vai
tentar impor o parlamentarismo para angariar a perpetuação no poder e se
proteger das investigações. Esse é o plano"
Joaquim Barbosa
Dentre os que já defenderam a implantação do
parlamentarismo no Brasil estão o presidente Michel Temer e as lideranças do
PSDB. O presidente interino do partido, Tasso Jereissati (CE), afirmou que a
adoção do voto distrital seria uma transição para o parlamentarismo, defendendo
que ele fosse adotado em 2022. Michel Temer chegou a defender essa forma de governo,
mais tarde afirmando que o ideal seria o semi-presidencialismo.
"O Brasil já fez, nos
últimos 50 anos, dois plebiscitos. Em ambos, a votação contrária foi avassaladora.
Em 1993, o parlamentarismo não obteve, se não estou enganado, mais de 25% dos
votos [foram 30,8%]. É uma ideia absolutamente exótica à organização
institucional brasileira. O país vive há quase 130 anos sob um regime
presidencialista. Seria uma irresponsabilidade absurda testar um experimento
exótico desse, como se fosse um brinquedinho, um ioiô", afirmou.
Para ele, as vocações políticas
no Brasil são motivadas pela corrupção, criticando as tentativas de restituir o
financiamento privado de campanhas, cuja proibição foi uma das marcas de
Barbosa à frente do STF.
Joaquim Barbosa foi ministro do
STF de 2003 a 2014. Ocupou a presidência da Corte suprema brasileira entre 2012
e 2014. Faltando meses para terminar o mandato na presidência, anunciou sua aposentadoria, aos 59 anos.
Ministros do STF podem ficar no cargo até os 70 anos.|uol