O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), disse que é
uma “irresponsabilidade” apresentar a limitação do foro privilegiado como
solução dos problemas nacionais. Uma eventual supressão do foro, segundo ele,
deveria atingir todos – inclusive os integrantes do Judiciário.
Gilmar reconheceu que a imagem do STF “não ficou
lustrosa” no ano passado e garantiu que sua relação próxima com o presidente
Michel Temer não vai comprometer o julgamento da ação que pode levar à cassação
do mandato do peemedebista pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Leia os
principais trechos da entrevista a Rafael Moraes Moura e Breno
Pires Rafael Moraes Moura e Breno Pires, do Estadão.
O sr. já disse que há um “assanhamento juvenil” na
discussão do foro privilegiado. O debate está equivocado?
É necessário o debate para se encontrar uma justa
conformação. Quando se fala que “o grande problema do Brasil é o foro
privilegiado”, é irresponsabilidade. Porque a Justiça criminal do Brasil tem um
grande defeito: só 8% dos homicídios são desvendados no Brasil. Os processos
não andam em várias instâncias. As pessoas só são investigadas quando passam a
ter foro privilegiado. Quando estavam nos seus Estados, não eram investigadas
ou as investigações não davam resultado. É uma grande irresponsabilidade
apresentar a supressão do foro como panaceia. Não que o sistema não precise ser
aperfeiçoado.
A quem caberia fazer esse aperfeiçoamento?
Ao Congresso, com uma proposta de emenda
constitucional.
Parlamentares ameaçam retirar o foro privilegiado
de magistrados e integrantes do Ministério Público caso o STF restrinja o foro
de políticos. É retaliação?
É uma forma de diálogo. Agora, eles têm razão: se
se quer acabar com o foro, é para todos. Os juízes respondem perante tribunais,
desembargadores respondem perante o STJ (Superior Tribunal de Justiça). Falam
de 22 mil autoridades, ora bolas, são 17 mil juízes, quantos membros de
Ministério Público? Começa por aí. Por outro lado, a ideia do foro não é para
proteger a pessoa, é para proteger a instituição.
A julgar por suas críticas, o Supremo Tribunal
Federal está se metendo demais nos outros Poderes e até dando a impressão de
que está governando o País?
Se quiser governar, tem de discutir isso com a
população, porque não é essa a função do Supremo. Decisões erráticas certamente
não traduzem um bom governo. Em questões delicadas, na relação de Poderes, deve
imperar a colegialidade. O pior que pode acontecer para um tribunal como este é
não ser reconhecido como o árbitro desses conflitos.
E o Supremo foi questionado em vários momentos.
Exatamente. Quando em função de decisões
singulares, para não dizer exóticas, se legitima do outro lado o não
cumprimento ou o delay na aplicação de uma decisão, a gente tem de ficar
cauteloso.
A imagem do STF ficou arranhada no ano passado?
Vamos dizer que não ficou lustrosa.
O senhor é amigo do presidente Michel Temer. Como
vê essa relação de proximidade diante do julgamento da ação no TSE que pode
levar à cassação do mandato dele?
No caso da chapa Dilma-Temer, fui eu inicialmente a
única voz que se levantou para a abertura do processo. A relatora (a
ex-ministra Maria Thereza de Assis) defendeu o arquivamento. Se esse processo
existe até hoje, sem querer ser falsamente modesto, foi graças a mim. As coisas
não se misturam.
A inclusão da delação da Odebrecht vai
transformá-lo no “processo do fim do mundo”?
Não se transforma em processo do fim do mundo, mas
pode atrasar. E pode ter a própria utilidade discutida. As pessoas fixam em relação
a esse processo a ideia de um resultado almejado. “Só haverá julgamento se
houver condenação.” Não é assim. Tribunal que só condena é tribunal nazista.
Não se pode medir um tribunal pelo critério do número de condenação.
O sr. defende mudanças na escolha de ministros do
STF?
A gente tem de ter responsabilidade nas propostas
de mudança, e você tem de medir as instituições pelos resultados. Vocês estão
contentes com os resultados, por exemplo, do TCU (Tribunal de Contas da União),
para onde o Legislativo tem duas indicações? Será que a OAB (Ordem dos
Advogados do Brasil) tem mandado os melhores nomes para o STJ e para o TST
(Tribunal Superior do Trabalho)? O Supremo está melhor composto do que outros
tribunais. Não se conseguiu indicar um sindicalista para cá.
A Associação dos Magistrados Brasileiros sugeriu
que o próprio STF elaborasse uma lista.
Seria um modelo de cooptação. É preciso que haja
uma legitimação política, não que o sujeito seja vinculado partidariamente, mas
que seja reconhecido pelo mundo político. Pensar em fórmulas abertas, de novo,
são os reformadores da natureza, um pouco de “calcem as sandálias da
humildade”.|diariodopoder