O que se deseja com essa lei: punir servidores e agentes públicos criminosos ou impedir os trabalhos na Operação Lava Jato?

Tramita no Senado Federal o Projeto de Lei nº 280/2016, que modifica a lei de abuso de autoridade e traz novos tipos e penas atribuíveis a agentes da administração pública, servidores públicos e equiparados, além de membros dos poderes Legislativo e Judiciário, bem como do Ministério Público. De autoria do senador Renan Calheiros (PMDB-AL), o PLS nº 280/2016 visa atualizar o texto da norma, que, para ele, está defasada e por isso é preciso repensá-la para proteger os direitos e garantias fundamentais da Constituição.

O debate sobre uma nova lei de abuso de autoridade ganhou corpo em 2009. A revisão foi definida como prioridade pelo 2º Pacto Republicano, assinado em abril daquele ano pelos chefes do Executivo, do Legislativo e do Judiciário (https://www.nexojornal.com.br/expresso/2016/07/11/O-que-muda-comoprojeto-de-Renan-sobre-abuso-de-a... - data de acesso: 18/12/2016).

Em que pese todo o desgaste político e ético que hoje assola o Congresso Nacional e, principalmente, o seu presidente, Renan Calheiros, não se deve fechar os olhos para a necessidade de acompanhar de perto tudo o que acontece naquela Casa e, com isso, analisar, com isenção e responsabilidade, as propostas de lei ali apreciadas e saber, então, se elas de fato têm o condão de trazer benefícios à cidadania e à preservação de direitos conquistados a duras penas ao longo de décadas.

Polêmicas à parte, é bem verdade que o conteúdo da atual lei de abuso de autoridade, a Lei nº 4.898/1965, está ultrapassado e, na prática, pouco se aplica aos agentes públicos despóticos que, embora cometam diariamente atos de violação aos direitos dos cidadãos, não são atingidos pela “mão forte” da Justiça e, portanto, ficam impunes e protegidos pela leniência sempre presente em boa parte dos seus superiores hierárquicos ou autoridades de outros poderes.


Aprovada logo após o golpe de 1964, que instituiu a ditadura militar no Brasil, a Lei nº 4.898/1965 foi fruto de praticamente nenhum debate social e sua entrada em vigor se deu em um período no qual os poderes estavam sob o controle intransigente das “armas” e a democracia encontrava-se restringida a nada. Paradoxo ou não, o fato é que a atual lei de abuso de autoridade, que deveria coibir a violação dos direitos dos cidadãos frente à máquina estatal desvirtuada, foi elaborada exatamente por agentes públicos que haviam acabado de tomar o poder à força, num ato próprio de abuso. Existe um ditado popular que diz: não se deve colocar “a raposa para cuidar do galinheiro”. Logo, parece que a aprovação da lei de abuso de autoridade por um governo integralmente formado por militares tiranos e que haviam acabado de depor um presidente eleito democraticamente, foi uma aberração que até hoje nunca foi corrigida.
Contudo, o Brasil tem agora a oportunidade de rediscutir essa matéria, em condições políticas e democráticas infinitamente mais favoráveis, apesar do crescente número de denúncias de corrupção noticiadas dia a dia pela mídia, a fim de se chegar ao consenso sobre como ficará o texto da nova lei de abuso de autoridade. Da forma como está, e essa é a opinião compartilhada por juristas e instituições de defesa dos direitos humanos, não pode permanecer, pois, como dito antes, autoridade alguma sofre qualquer sanção pelos atos criminosos praticados contra o cidadão, eis que a norma em vigor é branda e o Estado encontra-se desaparelhado e sem a cultura de processar e punir com rigor tais delitos.

Por outro lado, há quem manifeste preocupação de que a nova lei de abuso de autoridade pode atrapalhar dos trabalhos desenvolvidos no âmbito da Operação Lava Jato, e que esse projeto, uma vez aprovado, inibirá a atuação futura do Poder Judiciário, membros do Ministério Público e da Polícia Federal no combate à criminalidade, já que os agentes dessas instituições podem sofre represálias de acordo com a interpretação que for dada ao texto da nova lei.

Embora seja louvável toda e qualquer preocupação nesse sentido, e reconhecendo a importância e os benefícios já proporcionados à sociedade pela Operação Lava Jato, não é exagero dizer que, se alguma ilegalidade ou abuso de poder estiver sendo cometido no âmbito dessa Operação, obviamente que devem ser apurados e punidos com rigor. Não há (e nem pode haver) autoridade imune à lei, cujos atos ilegais podem ser tolerados e ficar livres de apuração e pena. O Brasil deve ser o país das leis, e não dos homens, motivo pelo qual todo e qualquer ato, oriundo de quem quer que seja, precisa ser investigado com extrema atenção e os resultados apresentados à sociedade com total transparência. Quem se propõe a combater o crime, seja ele qual for, não pode estar autorizado a praticar outros delitos para tanto. Se assim ocorrer, o agente precisa ser responsabilizado e se submeter às regras impostas a todos, pois é dessa forma que funciona uma República em qualquer lugar do mundo.


Sendo assim, acredita-se que o PLS nº 280/2016, em que pese denotar possíveis incongruências técnicas que podem provocar discussões futuras acerca da sua constitucionalidade, servirá para que a sociedade brasileira discuta a fundo o tema e aperfeiçoe a forma como o abuso de autoridade vem sendo tratado no País, a fim de saber se hoje realmente algum servidor ou agente público que se desvirtua dos seus deveres funcionais e éticos é investigado, processado e punido ou se ficam impunes por causa de uma lei branda, desatualizada e em desuso.|diegobrandao.jusbrasil

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