O senador Antonio Anastasia (PSDB-MG), relator do processo de
impeachment contra a presidente afastada Dilma Rousseff na comissão especial do
Senado, acolheu nesta terça-feira, 2, as denúncias da acusação e
considerou em seu relatório que a presidente afastada cometeu crime de
responsabilidade ao editar três decretos de crédito suplementares sem
autorização do Congresso Nacional e ao realizar operações de crédito com o
Banco do Brasil relativas ao Plano Safra, as chamadas pedaladas fiscais.
No parecer, divulgado na íntegra pelo senador nesta terça-feira, 2, Anastasia
acusa Dilma Rousseff e sua administração de "atentado à Constituição",
defendendo a continuidade do processo que pode afastar, definitivamente, a
petista da Presidência da República.
"Instaurou-se um vale-tudo orçamentário e fiscal que trouxe sérias consequências negativas para o País", argumenta Anastasia na conclusão de seu parecer. O relator defende ainda que o processo não trata dos índices de
impopularidade ou rejeição pública da presidente, tampouco de uma revisão
biográfica da presidente, mas tão somente das questões técnicas fiscais.
Créditos suplementares. Anastasia rebateu os argumentos da defesa de
que os decretos de crédito suplementares tenham sido compensados por decretos
de contingenciamento. "Decretos de contingenciamento em nada alteram
as autorizações orçamentárias. Embora possam passar a falsa impressão de que
representam instrumentos de “corte” orçamentário, na realidade não reduzem as
dotações orçamentárias. Não têm o efeito inverso das suplementações
orçamentárias e, portanto, não têm o condão de “neutralizá-las"",
argumenta o relator.
No relatório, o tucano também aponta o impacto dos créditos suplementares
sobre o resultado primário. De acordo com Anastasia, os créditos
suplementares, e não apenas sua execução, devem ser compatíveis com a
obtenção da meta fiscal. O senador usa como exemplo um único decreto, de R$1,7
bilhão, que afetou negativamente o resultado primário.
"O próprio Poder Executivo, ao final do primeiro semestre,
registrou em documento oficial de publicação obrigatória, que previa arrecadar,
em 2015, cerca de R$ 110 bilhões a menos do que inicialmente estimado na lei
orçamentária anual para receitas primárias. Diante disso, seria razoável
ampliar o volume de despesa primária autorizada? Certamente não",
argumenta.
Pedaladas. O relator não seguiu a perícia do Senado, que apesar de
identificar as operações de crédito, inocentou a presidente de ação nas
pedaladas fiscais. "O fato de haver lei que autorize a concessão de
subvenções no âmbito do Plano Safra não afasta a responsabilidade da
Presidência da República", argumentou. O relator acusa Dilma ainda de
omissão.
Contrariando os argumentos da defesa, o relator entendeu os atrasos de
pagamento relativos ao Plano Safra como operações de crédito. Anastasia também
minimizou a decisão do Ministério Público Federal que pediu o arquivamento da
denúncia contra a presidente relativa às pedaladas fiscais por entender que não
há crime na atuação.
"De qualquer forma, a discussão em torno da natureza jurídica da
operação é irrelevante. A operação, independentemente de sua formatação e
conceituação jurídica, assume as características e produz os efeitos materiais
de uma operação de crédito, ofendendo o bem jurídico protegido pela lei, que é
o que importa", escreveu Anastasia.
A comissão também não acatou o pedido da defesa para trazer à
comissão o procurador que escreveu o parecer pedindo o arquivamento da
denúncia contra a presidente relativas às pedaladas fiscais.
A defesa argumenta que o parecer do procurador Ivan Claúdio Marx trata
de um fato novo e fundamental para a defesa, já que defende que não há crime
nas pedaladas fiscais, principal acusação contra Dilma.
A relatoria e a presidência da Comissão, entretanto, concluíram que não
havia como o processo voltar à fase probatória e que novas testemunhas não
poderiam ser ouvidas após a entrega das alegações finais, que foi feita semana
passada.
Os advogados recorreram ao plenário da Comissão, mas a maioria
dos senadores, que são da base do presidente em exercício Michel Temer, seguiu
a orientação do relator e negou a vindo do procurador.
Desvio de poder. Uma das principais apostas da defesa no processo de
impeachment, a tese do desvio de poder, também foi rejeitada por
Anastasia. O senador tucano seguiu decisão do presidente do STF, Ricardo
Lewandowski, que entende que o processo foi confirmado pelos parlamentares da
Câmara e do Senado que votaram pela admissibilidade do impeachment.
A tese do desvio de poder defende que há atuação política no processo de
impeachment com interesses particulares para afastar a presidente Dilma
Rousseff. A ação estaria presente no momento em que o então presidente da
Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), aceitou a abertura do processo
de impeachment, segundo a defesa, por não conseguir apoio político do partido
da presidente.
A defesa cita ainda a atuação do senador Romero Jucá (PMDB-RR), um dos
principais articuladores do impeachment, que aparece em diálogo gravado com o
ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, em que fala em "trocar o governo"
para "estancar a Lava Jato".
O relator, entretanto, considerou a tese do desvio de poder
"subjetiva" e ponderou que o ato representa a vontade dos quase 370
deputados que aprovaram o relatório da Comissão Especial de Impeachment,
independentemente da atuação de Cunha.
O relatório, que foi apresentado na Comissão Especial do
Impeachment na tarde desta terça, só será discutido na quarta-feira, 3
e votado pelo colegiado na quinta-feira, 4. Depois, o relatório segue para
a análise do plenário do Senado Federal. Caso a maioria dos senadores concorde
com o parecer de Anastasia, acontecerá um julgamento da presidente, que deve se
iniciar em 29 de agosto e durar, pelo menos, uma semana.|estadao