O Ministério Público (MP) soltou uma nota técnica, nesta quinta-feira
(28), a fim de esclarecer os recentes bloqueios ao WhatsApp e o congelamento
dos fundos do Facebook no Brasil. De acordo com o texto, os dois aplicativos
descumprem a lei brasileira ao não fornecerem metadados, como registros de
acesso ao serviço, de seus usuários quando solicitados pela Justiça – como
determinado pelo artigo 15 do Marco Civil da Internet, que diz que todos os
provedores de aplicações de internet (como aplicativos e redes sociais) devem
guardar essas informações por seis meses.
Registros
de acesso, ou metadados, são informações que não dizem respeito ao conteúdo das
mensagens, mas podem ajudar nas investigações criminais. As autoridades
policiais podem usar o horário e local de acesso a um determinado sistema, bem
como o endereço IP de seu usuário – espécie de “RG” digital – para ajudar a
localizar um criminoso. “As empresas, no entanto, se negam a guardar os
registros de acesso ou os apagam antes do fim do prazo legal, o que dificulta
ou mesmo inviabiliza a responsabilização cível e criminal de autores de atos
ilícitos na internet”, diz a nota técnica do MP.
Em
entrevista ao jornal “O Estado de S. Paulo” em maio de 2016, o diretor de
comunicação global do WhatsApp, Matt Steinfield, declarou que o aplicativo “não
armazena esse tipo de informação nos servidores”. Questionado a respeito da
obrigatoriedade prevista pelo Marco Civil, Steinfield disse que “procura manter
o serviço o mais simples possível e o fato de não armazenarmos essas
informações nos permite oferecer um aplicativo mais rápido e confiável para
todos”.
Segundo
o MP, as empresas usam a criptografia de dados – no WhatsApp ela é usada para
codificar as mensagens desde o momento do envio até a entrega ao destinatário –
para se esquivar das ordens judiciais. “A questão da criptografia virou o cerne
da questão quando se debate esse tema, e ele não é o cerne para nós”, diz Neide
Cardoso de Oliveira, procuradora geral da República e porta-voz responsável
pela nota técnica. Segundo o promotor Fabricio Patury, do MPF-BA, 90% dos casos
que envolvem crimes na internet necessitam de metadados, pois envolvem questões
que aconteceram no passado. “Não conseguimos começar uma investigação criminal
na internet sem esse tipo de informação, e é o que está acontecendo com o
WhatsApp e com o Facebook”, diz ele.
Bloqueio- Para o promotor do
MPF-BA, o bloqueio a um aplicativo – como já ocorreu com o WhatsApp por três
vezes no País – é uma medida válida, mas apenas como última atitude. “A lei
brasileira tem penas em gradação: no Marco Civil, você tem a advertência,
depois uma tentativa de acordo e multas. Caso nenhuma dessas sanções seja
suficiente, a empresa tem de parar de funcionar”, avalia Patury.
A
interpretação do Marco Civil da Internet, em questão discutida no artigo 12, é
tema controverso entre juristas. Para Francisco Brito Cruz, diretor do centro
de pesquisa sobre internet e direito Internet Lab, o “artigo 12 foi construído
para munir as autoridades brasileiras em casos que envolvem empresas
estrangeiras”. “No entanto, é preciso discutir se o bloqueio é uma solução
concreta ou é apenas dar murro em ponta de faca”, avalia o pesquisador. Já
Carlos Affonso de Souza, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio
de Janeiro, discorda: “O Marco Civil não determina a suspensão das atividades
da empresa como um todo, mas só daquelas relacionadas aos dados pessoais.”
Para
Brito Cruz, a discussão sobre o fornecimento de metadados pelo WhatsApp passa
por dois aspectos: técnico e jurídico – no último caso, o pesquisador alega que
o aplicativo pode alegar que, por não ter representação legal no País, não é
obrigado a fornecer os metadados de seus usuários. “Cabe da interpretação de
cada juiz dizer se o Facebook, por ter sede no Brasil, pode ser
responsabilizado pelas ordens judiciais”, diz o diretor do Internet Lab. “De
qualquer maneira, é preciso reforçar a eficiência de acordos de cooperação
jurídica internacional.”
Hoje,
no entanto, um processo que pede a cooperação da Justiça dos Estados Unidos
tende a demorar entre um e dois anos para se tornar efetivo, de acordo com a
procuradora geral da República Neide Cardoso de Oliveira. “É um prazo muito
demorado e que inviabiliza a discussão”, alega.
Outro
aspecto levantado pelos pesquisadores é a de que uma decisão de instâncias
superiores – como o Supremo Tribunal Federal – pode ajudar na jurisprudência
sobre o tema. “A decisão do ministro Lewandowski a encerrar o bloqueio do
WhatsApp determinado na semana passada aponta na direção da proporcionalidade e
do papel que a rede desempenha para o exercício da cidadania”, diz Carlos
Affonso. Para ele, as recentes prisões de brasileiros supostamente envolvidos
em atividades terroristas mostram que existem outras formas de investigação que
não envolvem a quebra de criptografia ou o bloqueio de aplicações.
Após a
decisão do ministro Lewandowski, na semana passada, não há data definida para
que o STF julgue o assunto. No entanto, a Universidade de Brasília e o
Instituto Beta para Internet e Democracia (IBIDEM) pediram à corte que fosse
realizada em breve uma audiência pública sobre bloqueios de aplicativos.|bahia.ba - Foto :Reprodução Flickr/Facebook