O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) abertura de dois inquéritos para apurar o envolvimento do senador Aécio Neves (PSDB-MG) com desvio de dinheiro de Furnas Centrais Elétricas e com maquiagem de dados do Banco Rural. Janot também solicitou a abertura de inquéritos contra o ministro da Secretaria de Comunicação Social, Edinho Silva (PT), e os presidentes da Câmara, Eduardo Cunha, e do Senado, Renan Calheiros, ambos do PMDB.

Outros quatro peemebistas estão entre os nomes a serem investigados: Valdir Raupp, Jader Barbalho, Romero Jucá, apontado como homem forte de Temer, e Vital do Rêgo, ministro do Tribunal de Contas da União (TCU). Os pedidos foram feitos com base na delação do senador Delcídio Amaral (sem partido-MS), um dos delatores da Operação Lava-Jato.

Também com base na delação de Delcídio, o procurador-geral pediu abertura de inquérito contra do deputado Marco Maia (PT-RS), que ao lado de Vital do Rêgo, é acusado de cobrar propina para evitar depoimento de empreiteiros na CPI da Petrobras.

Renan, Jucá, Jader e Raupp poderão ser investigados por supostos desvios de dinheiro da usina hidrelétrica de Belo Monte. Fraudes nas obras da hidrelétrica também foram denunciadas por ex-dirigentes da Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez.
No inquérito sobre desvio de dinheiro em Furnas, Aécio deverá ser investigado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Janot fez o pedido com base nas delações de Delcídio e do doleiro Alberto Youssef. O procurador pede ainda que, se o inquérito for aberto, o presidente do PSDB e o ex-presidente de Furnas Dimas Toledo, com quem teria ligações, sejam interrogados em até 90 dias.

Num dos depoimentos, Delcídio disse que Dimas era operador de um esquema de distribuição de propinas em Furnas e que "um dos beneficiários dos valores ilícitos, sem dúvida, foi Aécio Neves". Segundo o senador, a estrutura montada por Dimas abastecia também políticos do PP e do PT. O senador até relata um diálogo que teve com o ex-presidente Luz Inácio Lula da Silva em 6 de maio de 2005, durante uma viagem de avião.
Lula perguntou quem era Dimas Toledo e, em seguida, explicou a curiosidade. "Eu assumi e o Janene veio pedir pelo Dimas. Depois veio o Aécio e pediu por ele. Agora o PT, que era contra, está a favor. Pelo jeito, ele está roubando muito", teria dito Lula, segundo Delcídio. Toledo teria sido indicado para Furnas por José Janene, ex-presidente do PP já falecido, numa pareceria com Aécio. O senador não queria aparecer como padrinho do dirigente.

Antes de Delcídio, o nome de Aécio foi vinculado a desvios em Furnas por Alberto Youssef. Num dos depoimentos da delação premiada, o doleiro apontou Aécio como beneficiário de propinas mensais pagas pela Bauruense, uma das empresas prestadoras de serviços a Furnas. Os pagamentos a Aécio seriam intermediados pela irmã dele. Youssef disse que soube do suposto envolvimento de Aécio numa conversa com o amigo e sócio Janene.
Na primeira etapa das investigações, Janot considerou as acusações de Youssef insuficientes e pediu arquivamento do caso. Agora, depois das declarações de Delcídio, o procurador-geral entendeu que as informações são suficientes para desarquivar o caso anterior e abrir um inquérito específico para investigar o suposto envolvimento de Aécio e outros políticos com desvios de dinheiro em Furnas.

No pedido de abertura de inquérito, Janot lembra ainda que durante a Operação Norbert, no Rio de Janeiro, foram apreendidos documentos sobre contas no exterior da Fundação Bogart and Taylor, que está em nome de Inês Maria Neves Faria, mãe de Aécio. Os documentos estavam em poder dos doleiros Christiane Puchmann e Norbert Muller. Os dois são acusados de criar empresas e contas no exterior para ajudar clientes a esconder dinheiro em outros países.

USO DO CARGO PARA BENEFÍCIO PRÓPRIO
Janot pediu abertura de inquérito contra Cunha para investigar o suposto envolvimento do presidente da Câmara e do doleiro Lúcio Bolonha Funaro com desvio de dinheiro em contratos de Furnas. O procurador-geral suspeita que Cunha tenha usado as medidas provisórias 396 e 450, entre 2007 e 2008, para favorecer os interesses dele e do amigo Funaro na venda de ações da companhia Energética Serra Carioca II para Furnas, em 2008. O negócio teria resultado em um prejuízo de R$ 73 milhões para a estatal, conforme revelou o GLOBO em janeiro de 2011.

Cunha deverá ser investigado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro." Para Janot, o pedido de abertura de inquérito é parecido com o pedido de afastamento de Cunha da presidência da Câmara. Nos dois casos, segundo o procurador, Cunha teria usado a condição de deputado para fins particulares e "ilícitos". O pedido de afastamento de Cunha foi apresentado ao STF em dezembro do ano passado, e até agora o tribunal ainda não deliberou sobre o assunto.

No pedido de abertura de inquérito, Janot fala sobre as relações de Cunha com Funaro e o ex-presidente de Furnas Luiz Paulo Conde, ex-prefeito do Rio de Janeiro já falecido. “Realmente Eduardo Cunha atuou e tinha poder para que Furnas concedesse privilégios à empresa de Funaro”, afirma Janot.

Cunha teria atuado em duas pontas. Numa, o deputado é acusado de usar o cargo de relator de medidas provisórias para ajustar a legislação aos interesses da Serra Carioca II.
Na outra, indicou Conde para a presidência de Furnas para, a partir daí, manter o controle dos negócios da estatal com determinadas empresas privadas, uma delas a Carioca II.

Em janeiro de 1999, a Carioca II comprou um lote de ações do Grupo Gallway por R$ 6,9 milhões e, sete meses depois, repassou os papéis para Furnas por R$ 80 milhões, uma diferença de mais de R$ 73 milhões. Detalhe: um mês antes da compra das ações pela Carioca, Furnas registrara em ata renúncia ao direito de comprar as ações do Gallway. Ou seja, a estatal abriu caminho para a empresa privada e, depois, voltou ao negócio pagando um valor dez vezes maior que o preço original.

"Em auditoria, a CGU apurou vantagens para a empresa que não eram usualmente verificadas em negociações do mercado privado", informa Janot. O pedido de inquérito tem como base a delação premiada de Delcídio. Na delação, o senador também acusou Cunha de atuar no Congresso Nacional para favorecer os negócios de André Esteves, um dos donos do BTG Pactual.

O senador levantou a suspeita de que Esteves pagou R$ 45 milhões a Cunha por uma emenda à Medida Provisória 668, de interesse do BTG Pactual. Segundo o senador, a emenda teria sido escrita pelo BTG, de Esteves. Delcídio conta ainda que a emenda foi aprovada, mas depois vetada pela presidente Dilma Rousseff.

No momento seguinte, ele também atuou para garantir os interesses do BTG. Delcídio disse que até marcou uma reunião entre o ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy com Esteves. No encontro, Esteves tentaria convencer o ministro da Fazenda a acolher a proposta de interesse do BTG numa outra medida provisória. A emenda permitiria que bancos como BTG pagasse dívidas com o governo com títulos de baixa liquidez.

No inquérito sobre Edinho Silva, a PGR pretende investigar supostas relações do ministro com laboratórios farmacêuticos. Na delação, Delcídio relata ainda episódio relacionado à campanha de 2014 e que envolveria o ministro Edinho Silva. Segundo a Isto É, Delcídio afirmou que na campanha eleitoral daquele ano foi procurado pelo então tesoureiro da candidatura à reeleição da presidente Dilma Rousseff, Edinho Silva. Delcídio disputava o governo do Mato Grosso do Sul. O senador contou que Edinho teria pedido para que "pagasse R$ 1 milhão do saldo da dívida de sua campanha". Edinho teria apontado débitos de R$ 500 mil com a empresa de assessoria FSB Comunicação e outros R$ 500 mil com a sócia do marqueteiro Duda Mendonça, Zilmar Fernandes. O pagamento seria feito por meio de contratos fictícios com o laboratório farmacêutico EMS.

PROPINA NA CPI DA PETROBRAS
Em sua delação premiada, Delcídio afirmou que quatro parlamentares que integraram a CPI mista da Petrobras, encerrada em 2014, teriam pedido dinheiro a empreiteiros. Em troca, eles trabalhariam para derrubar ou não colocar em votação requerimentos "que fossem sensíveis, ou seja, que fossem desfavoráveis aos empresários". Em dois casos - o do ex-senador Vital do Rêgo (PMDB-PB), hoje ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), e do deputado Marco Maia (PT-RS) - o relato de Delcídio foi confirmado pelo empresário Júlio Camargo, outro delator da Lava-Jato. Vital do Rêgo e Marco Maia foram, respectivamente, presidente e relator da CPI.

"Julio Camargo confirma o relato de Delício do Amaral em relação à eventual participação do deputado Marco Maia e do então senador Vital do Rego nos crimes mencionados", afirmou Janot em petição encaminhada ao STF. Ele aponta a existência de crimes de corrupção passiva qualificada e lavagem de dinheiro.

Segundo Delcídio, o empreiteiro Léo Pinheiro, da OAS, fazia reuniões em Brasília com outros empresários e integrantes da CPI. De acordo com ele, Júlio Camargo, Ricardo Pessoa (UTC) e José Antunes Sobrinho (Engevix) participavam desses encontros. Eles tentavam criar uma "força-tarefa" no intuito de "blindá-los em razão desses requerimentos". Pessoa e Júlio Camargo, relatou Delcídio, ficaram "revoltados" com o pedido de dinheiro dos parlamentares. O senador diz não ter certeza, mas, pelo comportamento dos dois, acredita que a propina foi paga. Os deputados e senadores estariam pedindo para suas campanhas eleitorais.

Delcídio prestou depoimento em 14 de fevereiro e citou outros dois nomes: do ex-senador Gim Argello (PTB-DF) e do deputado Fernando Francischini (SD-PR). Gim foi preso em 12 de abril, durante a 28ª fase da Lava-Jato, e está negociando um acordo de delação premiada. Janot pediu que uma cópia das informações seja enviada para a 13ª Vara Federal de Curitiba, comandada pelo juiz Sérgio Moro e onde já há um inquérito para apurar os crimes atribuídos a ele. Quanto a Francischini, Janot pediu o arquivamento da investigação, uma vez que Júlio Camargo declara não ter conhecimento do envolvimento dele no esquema.

"Prevalece a máxima de que a mera referência a terceiros em conversa alheia desacompanhada de outros elementos de convicção e em aparente conflito com a versão dos colaboradores mencionados não autorizam a realização de investigação", escreveu Janot. O procurador-geral também enviou uma cópia do depoimento de Delcídio para ser juntada ao inquérito da Lava-Jato que investiga o deputado Júlio Delgado (PSB-MG).

OUTRO LADO
Por meio da assessoria de imprensa do TCU, Vital do Rêgo informou que "reitera o repúdio às ilações associadas a seu nome na referida delação premiada, desprovidas de qualquer verossimilhança" e que "está à disposição das instituições para qualquer esclarecimento". O GLOBO não conseguiu entrar em contato com Marco Maia. Em 15 de março, após a divulgação dos depoimentos de Delcídio, ele havia dito que a delação tinha por objetivo desgastar o PT. Destacou ainda que foi o relator da CPI, tendo pedido em seu relatório o indiciamento de 52 pessoas, entre elas o ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, um "reconhecido amigo do ora delator".


Em nota, o senador Aécio Neves disse que considera “natural” e “necessário” que sejam feitam investigações após a homologação de uma delação pelo STF. No entanto, ele ressalta que os temas são antigos e já foram objeto de investigações anteriores ou “que não guardam nenhuma relação com o senador”. A nota ainda reitera o apoio do presidente nacional do PSDB à Operação Lava-Jato. Matéria original no oglobo.

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