O
secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luis Almagro,
divulgou, nessa sexta-feira (15) um comunicado após se encontrar com a
presidente Dilma Rousseff, em que diz que considerar que o possível impeachment
da mandatária não tem base legal, pois o mesmo “não se enquadra nas regras que
sustentam o atual processo”.
“Nossa
Organização tem feito uma análise detalhada do juízo político iniciado contra a
Presidente e concluiu que o mesmo não se enquadra nas regras que sustentam o
atual processo. Não há nenhuma acusação criminosa contra a presidente, além do
argumento relacionado com a má gestão das contas públicas em 2014. Trata-se,
portanto, de uma acusação de natureza política que não justifica um processo de
destituição”, diz um trecho do comunicado.
De acordo
com o texto, "nossa preocupação não é isolada, porque o sistema das Nações
Unidas e a União de Nações Sul-Americanas (UNASUL) também dela compartilham. O
sistema das Nações Unidas observou: 'O Brasil é um país muito importante e
qualquer instabilidade política é uma preocupação social para nós', disse à
imprensa brasileira na semana passada o Secretário-Geral das Nações Unidas, Ban
Ki Moon".
O texto
lembra, ainda, que, Ravina Shamdasani, Porta-voz do Alto Comissariado da
ONU para Direitos Humanos disse: "renovamos nosso apelo para garantir que
o Poder Judicial seja respeitado, que as instituções democráticas pelas quais o
Brasil lutou tanto para ter sejam respeitadas e nãn sejam minadas no processo".
Ainda
segundo o documento, a UNASUL destacou que: “a presidente só pode ser
processada e destituída - revogando o mandato popular que a elegeu - por faltas
criminosas nas quais se comprove sua participação dolosa e ativa. Aceitar que
um líder possa ser afastado de seu cargo por supostas falhas em atos de caráter
administrativo levaria à perigosa criminalização do exercício do governo por
razões de índole simplesmente políticas”.
A OEA
afirmou que o Brasil tem sido um “exemplo de democracia no continente”;
“Deve-se julgar a partir da decência e da probidade pública os atos indecentes
e criminosos e não o inverso”, disse.
Leia o texto na íntegra:
Hoje, conversei em Brasília com a presidente
Dilma Rousseff sobre a conjuntura presente do país, alguns temas regionais e o
papel que vem desempenhando a Organização dos Estados Americanos (OEA).
Além disso, a presidente Rousseff referiu-se
à situação política no Brasil e ao rito do processo de impeachment que
possivelmente tenha que enfrentar.
Nossa Organização tem feito uma análise
detalhada do juízo político iniciado contra a Presidente e concluiu que o mesmo
não se enquadra nas regras que sustentam o atual processo.
Não há nenhuma acusação criminosa contra a
presidente, além do argumento relacionado com a má gestão das contas públicas
em 2014. Trata-se, portanto, de uma acusação de natureza política que não
justifica um processo de destituição.
Essa perspectiva dá margem a uma série de
dúvidas que estão refletidas na opinião de vários setores da população, incluindo
o próprio sistema de acusação pública, como pudemos notar na carta assinada por
130 membros do Ministério Público de vários estados brasileiros:
“2. É sabido que o juízo de “impeachment” a
versar crime de responsabilidade imputado a Presidente da República perfaz-se
em juízo jurídico-político, que não dispensa a caracterização de quadro de
certeza sobre os fatos que se imputam à autoridade, assim questionada.
3. Ausente o juízo de certeza, a deliberação
positiva do “impeachment” constitui-se em ato de flagrante ilegalidade por
significar conclusão desmotivada, assim arbitrária, assentada em ilações
opinativas que, obviamente, carecem de demonstração límpida e clara.
4. Os fatos articulados no procedimento
preliminar de “impeachment”, em curso, e como tratados na comissão preparatória
a subsidiar a decisão plenária das senhoras deputadas e dos senhores deputados,
com a devida vênia, passam longe de ensejar qualquer juízo de indício de crimes
de responsabilidade, quanto mais de certeza.
5. Com efeito, a edição de decretos de
crédito suplementar para remanejar limites de gastos em determinadas políticas
públicas autorizados em lei, e os atrasos nos repasses de subsídios da União a
bancos públicos para cobrir gastos dessas instituições com empréstimos
realizados a terceiros por meio de programas do governo, são ambos
procedimentos embasados em lei, pareceres jurídicos e entendimentos do TCU, que
sempre considerou tais medidas legais, até o final do ano de 2015, quando houve
mudança de entendimento do referido tribunal.
6. Ora, não há crime sem lei anterior que o
defina e muito menos sem entendimento jurisprudencial anterior assentado. Do
contrário, a insegurança jurídica seria absurda, inclusive com relação a mais
da metade dos governadores e inúmeros prefeitos que sempre utilizaram e
continuam utilizando as mesmas medidas que supostamente embasam o processo de
impedimento da Presidente.
7. Desse modo, não há comprovação da prática
de crime de responsabilidade, conforme previsão do artigo 85 da Constituição
Federal.”
Além disso, é preciso ressaltar que um regime
presidencialista, como o brasileiro - prevalente na grande maioria dos países
do nosso hemisfério - não pode funcionar como se fosse um sistema parlamentar,
onde a destituição do primeiro mandatário se dá imediatamente, bastando uma
mudança na correlação das forças políticas na coligação governamental.
De fato, a sustentabilidade do sistema
presidencialista não passa exclusivamente pelo Poder Legislativo e pelas
alianças formadas nesse contexto. As alianças políticas, no presidencialismo,
garantem a eficiência para legislar e governar, mas não substituem o apoio
soberano representado pelo voto popular consignado à atual presidente. Não se
pode trocar a soberania popular por um oportunismo político-partidário. Se os
constitucionalistas de 1982 tivessem ensejado uma solução do tipo parlamentar
ou semiparlamentar, a ordem constitucional seria estruturada dessa maneira e,
por exemplo, as lógicas de constituição de Governo, conformação de gabinete, responsabilidade
política e destituição dos mandatários seriam completamente diferentes.
Não fazemos aqui qualquer juízo sobre qual é
o melhor sistema – presidencialismo ou parlamentarismo - porque isso depende do
pacto social e político de cada sociedade. Mas a organização do sistema
constitucional brasileiro é clara e, por essa razão, definiu os limites legais
para a efetivação de um processo de destituição. Ignorá-los afeta o
funcionamento do sistema político e distorce a força e operacionalidade que devem
ter a Constituição e as leis.
Nossa preocupação não é isolada, porque o
sistema das Nações Unidas e a União de Nações Sul-Americanas (UNASUL) também
dela compartilham. O sistema das Nações Unidas observou:
“O Brasil é um país muito importante e qualquer
instabilidade política é uma preocupação social para nós,” disse à imprensa
brasileira na semana passada o Secretário-Geral das Nações Unidas, Ban Ki Moon.
“Renovamos nosso apelo para garantir que o Poder Judicial seja respeitado, que
as instituções democráticas pelas quais o Brasil lutou tanto para ter sejam
respeitadas e nãn sejam minadas no processo,” afirmou Ravina Shamdasani,
Porta-voz do Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos.
Por outro lado, a UNASUL destacou que:
“A presidente só pode ser processada e
destituída - revogando o mandato popular que a elegeu - por faltas criminosas
nas quais se comprove sua participação dolosa e ativa. Aceitar que um líder
possa ser afastado de seu cargo por supostas falhas em atos de caráter
administrativo levaria à perigosa criminalização do exercício do governo por
razões de índole simplesmente políticas”.
O Brasil tem sido um exemplo de democracia no
continente e todos precisamos que continue sendo. É por isso que a comunidade
internacional faz um apelo nesse sentido.
Deve-se julgar a partir da decência e da
probidade pública os atos indecentes e criminosos e não o inverso.
Esse princípio será também essencial para a
luta contra a corrupção que assola o país e que dever ser combatida até o fim.
É do interesse de todos que a investigação chegue até suas últimas
consequências.
A conscientização deve valer-se da verdade e
da justiça; e a consciência política só é válida quando se expressa em
conformidade com a institucionalidade em vigor no país.|brasil247