Uma das grandes damas do teatro e da
televisão do Brasil, Marília Pêra morreu neste sábado, aos 72 anos, no Rio de
Janeiro, informou a Globonews. Em seus últimos meses de vida, a atriz lutou
contra um câncer no pulmão.
No último
mês agosto, ela foi a grande homenageada do Festival de Cinema de Gramado, onde
recebeu o prestigiado Troféu Oscarito.
– Que
alegria! – afirmou na ocasião, eufórica ao perceber que seus três filhos, Nina
Morena, Ricardo e Esperança, viajaram em segredo do Rio de Janeiro até a serra
gaúcha para homenageá-la.
No filme Chico –
Artista Brasileiro, que está em cartaz nos
cinemas, Marília participa com voz em off lendo trechos de O Irmão Alemão, mais recente
romance de Chico Buarque, lançado no ano passado.
No ar com a
quarta temporada da série de TV Pé na Cova,
da Globo, Marília planejava para 2016 o lançamento de um disco com canções
românticas. E de um musical a partir dessas canções, conforme contou a ZH em
Gramado:
– Olha a
coincidência: eu e Daniel Filho (outro
homenageado da mesma edição do Festival de Gramado) pensamos em fazer um "docudrama"
juntos, ele me dirigindo. A ideia é fazer um projeto casado com o disco, que
terá canções comoNe Me Quitte Pas, alguma MPB e um
Kurt Weill indicado pelo Miguel Falabella.
Foi por meio
de um enigmático post de Falabella, seu colega em Pé na Cova, que a notícia de sua
doença se espalhou. "Não desista de nós! Por favor!", ele escreveu,
na rede social Instagram.
Em 2015, a
atriz também havia sido homenageada pela escola de samba Mocidade Alegre, no
Carnaval de São Paulo. Ela passou o ano em tratamento médico, segundo
informações dos familiares, combatendo um desgaste nos ossos do quadril –
chegou a ficar afastada das gravações de Pé na Cova por conta do tratamento.
Filha, neta e sobrinha de atores, Marília
Soares Pêra costumava contar que pisou em um palco pela primeira vez quando
tinha 19 dias de vida – estava no colo da atriz de uma montagem teatral, colega
de elenco de sua mãe, Dinorah Marzullo (seu pai era o ator Manoel Pêra). Aos
quatro anos, em 1948, já trabalhava em uma montagem de Medeia, de Eurípedes.
– Mamãe me
matava todos os dias no palco – ela brincou, lembrando o enredo do espetáculo.
– Mamãe,
papai e vovó (Antônia
Marzullo) fizeram
filmes com Oscarito. Fiz uma ponta em Luz dos Meus
Olhos (1947), também
aos quatro anos. Com 12 para 13, fui bailarina em chanchadas, entre elas Esse Milhão É Meu (1959) – lembrou, falando para ZH
sobre sua relação com Oscarito, o ator que dá nome ao troféu recebido em
Gramado.
Natural do
bairro carioca de Rio Comprido, a atriz conviveu desde cedo com os bastidores
da Atlântida, a histórica produtora de comédias localizada no Rio. Antes dos 20
anos já havia atuado com Bibi Ferreira (na montagem de Minha Querida Lady, de 1962) e
interpretado Carmen Miranda (na biografia deLamartine Babo O Teu Cabelo Não Nega,
de 1963), papel que repetiria algumas vezes em sua carreira. Nessa mesma época
participava de um programa semanal de balé na TV Tupi – onde seus pais
costumavam trabalhar.
Casou-se aos
16 anos, em 1959, com o ator Paulo Graça Mello – que a motivaria a mudar o nome
para Marília Pêra da Graça Mello. O casamento durou pouco: a atriz já estava
separada quando, em 1965, integrou o elenco que inauguraria a TV Globo,
protagonizando as novelas Rosinha do Sobrado e Padre Tião, ambas de Moisés
Weltman. Nos primórdios da emissora ainda atuou em A Moreninha, adaptação do
romance de Joaquim Manuel de Macedo escrita por seu ex-sogro, Graça Mello, que
era diretor da emissora.
– Esse
comecinho da Globo era muito divertido, porque tudo era muito experimental.
Como ninguém sabia nada, o brinquedo era muito novo para todo mundo, havia
muita criatividade – ela relebrou, em entrevista ao site Memória Globo.
No teatro,
sua carreira ganhou fôlego no fim da década de 1960, quando esteve, entre
outras, em Se Correr o Bicho Pega, de
Oduvaldo Vianna Filho e Ferreira Gullar, A Ópera dos
Três Vinténs, de Bertold Brecht e Kurt Weill, A Megera Domada, de William Shakespeare, O Barbeiro de Sevilha, de
Beaumarchais, eRoda Viva, de Chico Buarque.
A volta à
Globo se deu em 1971, a convite de Daniel Filho, para contracenar com Francisco
Cuoco em O Cafona – quando interpretou Shirley Sexy,
personagem que lhe deu grande popularidade. Um pouquinho antes, em 1968, ela
fizera Beto Rockfeller, na TV Tupi, novela que é considerada um marco da
teledramaturgia brasileira.
A dama do
teatro e da TV emendaria dezenas de produções nas décadas seguintes,
interpretando da taxista Noeli, da novela Bandeira 2 (1971), de Dias Gomes, à interesseira Milu, de Cobras & Lagartos (2006), de João Emanuel Carneiro. No
cinema Marília Pêra estreou em 1968, pelas mãos do diretor Eduardo Coutinho,
que a escalou para fazer O Homem que
Roubou o Mundo. Com o mesmo diretor, ela trabalharia em Jogo de Cena (2007), documentário premiado e
aclamado pela crítica.
– Com
Coutinho, aprendi como é tênue a linha entre o que você é e o que você finge
ser – ela comentou em Gramado 2015 (no festival serrano, venceu dois Kikitos de
melhor atriz, em 1983, por Bar Esperança, e em 1987, por Anjos da Noite).
Marília
viveria com o cineasta Hector Babenco seu momento de maior projeção
internacional. Em 1981, imortalizou a personagem da prostituta Sueli em Pixote, a Lei do Mais Fraco,
desempenho que chamaria a atenção de produtores internacionais e a levaria a
Nova York, onde rodou Mixed Blood,
filme de Paulo Morrissey lançado em 1984. Outros papéis de destaque no cinema
foram em filmes de Cacá Diegues (Tieta do Agreste, de 1996, e Dias Melhores Virão, de 1990), O Viajante (1999), de Paulo César Saraceni, e Amélia (2000), de Ana Carolina.
Além de
Carmen Miranda, que reviveria em espetáculos como A Pequena Notável (1966), dirigido por Ary Fontoura, e A Tribute to Carmen Miranda(1975),
por Nelson Motta, também interpretou mulheres célebres como a cantora Dalva de
Oliveira (no musical A Estrela
Dalva, de 1987), a diva Maria Callas (Master Class, de 1996), a
estilista Coco Chanel (Mademoiselle Chanel, de 2004), e
a ex-primeira dama do Brasil Sarah Kubitschek (na minissérie JK, de 2006). Mas foi a
sofisticada Rafaela, personagem totalmente fictício que Cassiano Gabus Mendes
escreveu para Marília na novela Brega &
Chique (1987), aquele
que a atriz mais gostou de fazer, conforme confessou ao site Memória Globo,
mantido pela emissora.
Sobre os
personagens que interpretou e o rumo que deu à carreira, ela declarou a ZH,
pouco antes de subir a Serra para receber o Oscarito, em agosto passado:
– Não sou
empreendedora, no sentido de articular minha carreira. Sempre quis fazer
sucesso, claro. Mas, passada a agitação pós-Pixote, era preciso ir atrás para
construir algo lá fora, e eu nunca levei isso ao pé da letra. Havia
possibilidade de fazer teatro nos EUA. Mas é complicado, tem muita
concorrência, e até hoje meu inglês não é fluente. Lembro de ter ficado com
medo, inclusive. Então, não me arrependo. A gente faz escolhas, e eu fiz as
minhas. |http://zh.clicrbs.com.br/