O Brasil completa neste domingo 30 anos de
democracia. Os avanços acumulados nesse período são evidentes: o processo
eleitoral é confiável, a liberdade de expressão e manifestação aumentou, a
economia hoje tem mais estabilidade do que no passado e a pobreza vem recuando.
No entanto, cientistas políticos apontam diferentes
fatores que reduzem a qualidade do regime democrático brasileiro, como o poder
limitado da população de monitorar e influenciar as decisões do governo, a
corrupção elevada e a desigualdade social ainda alta, que limita os direitos de
parte da população.
“A nossa democracia ainda é muito pouco
democrática”, afirma Marcos Nobre, professor de filosofia da Unicamp.
“Uma coisa é você falar de instituições formais da
democracia. Há um Judiciário relativamente independente, todos têm direito ao
voto, etc. Mas democracia não é só isso. Não são só instituições democráticas
em funcionamento formal”, ressalta.
A consutoria britânica Economist Intelligence Unit
(EIU) produz um índice que classifica os países de acordo com a qualidade da
sua democracia. O ranking coloca o Brasil como o 44º país mais democrático
entre 167 nações analisadas. Noruega, a mais democrática, e Coreia do Norte, a
menos, ocupam as pontas do ranking.
Com essa posição, o Brasil está no grupo das “democracias
imperfeitas”. Segundo a EIU, nos países que recebem essa classificação há
eleições livres e justas e as liberdades civis básicas são respeitadas (como
liberdade de expressão e religiosa). Por outro lado, costuma haver problemas de
governança (como corrupção e pouca transparência em órgãos públicos) e baixos
níveis de participação política.
Democracias ‘completas’
Há 24 democracias com notas superior a 8 e por isso
consideradas “completas” pela consultoria. Vale notar que os países que ocupam
as melhores posições geralmente têm uma história mais longa de democracia
continuada do que o Brasil, como Dinamarca, Austrália, Reino Unido e Estados
Unidos.
Mas há também casos como o do Uruguai (17º lugar),
cuja ditadura também acabou em 1985, e da África do Sul (30º), onde o regime de
segregação racial (apartheid) terminou em 1994.
Ao subir uma posição em 2014, o Brasil foi o único
país da América Latina a melhorar sua classificação no ranking. A nota
brasileira – que desde 2010 estava estagnada em 7,12 – subiu no ano passado
para 7,38 (a avaliação vai de zero a dez).
No caso do Brasil, o país tem melhor performance
nos critérios eleitorais (9,58) e de liberdades civis (9,12), e vai pior em
participação política (4,44). Já o funcionamento do governo recebeu 7,5.
O que puxou a melhora em 2014 foi o aumento da nota
em cultura política (de 5,63 para 6,25), quesito que mede, por exemplo, qual
apoio da população ao sistema democrático ou militar, a tolerância com a
impunidade e a separação entre Estado e religião.
Para o cientista político Sérgio Praça, professor
da Universidade Federal do ABC, o fato de hoje a ideia de golpe militar ter
apoio “irrisório” da população é um sinal de que a democracia avançou mais do
que o esperado em três décadas.
“Ninguém sério fala mais nisso. Antes, qualquer
coisa era motivo de golpe no Brasil. Hoje, discute-se impeachment em vez de
golpe. Há uma crise política no país, é verdade, mas a democracia não está em
risco”, disse, ressaltando que não considera correto o impedimento da
presidente Dilma Rousseff sem que haja provas de que ela cometeu algum crime.
Redemocratização completa 30 anos
Por outro lado, o professor aponta a enorme
dimensão da corrupção no país, que atinge diversos partidos, como um grave
problema do nosso sistema político. Na sua opinião, “a operação Lava Jato (que
investiga desvios na Petrobras) será um enorme teste para nossa democracia”. | bbcbrasil